domingo, 4 de dezembro de 2011

Dilemas do futebol


De pequeno aprendi com minha mãe
– hoje só saudade –
e quando vi Zico e Júnior jogando
Vamos Flamengo!
Mas Luxemburgo durante
faz perder vontade
o grito sufoca.

Dentro de mim os anos em São Paulo
rejeitam o Corinthians campeão
quase chego a torcer pelo Vasco
mas é Vasco e Flamengo,
oh céus!

Mas hoje se foi Sócrates Brasileiro
corinthiano, para azar dos infiéis
e que bonito o punho erguido no silêncio
no círculo central do clássico.

E a Libertadores, como então?
outra vez quero Flamengo
mas Luxemburgo sufoca
Vai, Coxa, esquece o racismo
e lembra da glória de 85
quando o Bangu ainda era grande!

Vai Figueira, da ilha da magia!
Vai Inter, mas é Grenal!

Aquiete-se, São Paulo
recolha-se com vergonha
do magrelo Rivaldo.

Não quero Corinthians
mas hoje Sócrates
descansa feliz
com o punho fechado
o peito aberto
que em nós é lamento
e saudade.

Goiás, 4 de dezembro de 2011.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Poema para Belo Monte

Estão chamando para a guerra
longe, muito longe, no imenso verde
dos rios infinitos, da voragem
cheia de vida delirante fantástica
chama há tempos, gritam
pela paz mas veio a guerra
antes de mim tempo atrás
agora alisto-me pacifista voluntário
corro para o combate
junto aos meus desiguais distantes
os invisíveis sob o grande mato
as crianças nadam nos rios
os homens de boca grande
pintam a cara de preto
as mulheres impunham seus facões
não os entendemos bem
os ribeirinhos invadem o canteiro
os artistas juntam-se em palavras
o vídeo, o protesto, o chamado
ecoa desde sempre
estão chamando para a guerra
é o ancestral que geme no leito
do seu sono eterno inquieto
é o rio que corre chorando
água do lamento dos povos
a floresta grita desespero
Tuíra empunha seu facão
Raoni convoca todos e avisa
vamos morrer ali
perto ou longe
juntam-se os ribeirinhos
a voz cresce CRESCE
o Xingu não morre fácil
e aquela gente sem nome
não vai fugir assim
ao urro surdo do senhor
preocupado em comprar e vender
não vai deixar vencer
a ignorância cega da ganância
intolerância velha dos covardes
temos morrido aos poucos
há tempos sem saber
como não houvesse outro caminho
sem pensamento ou coração
seguindo inertes ao deus maldito
demônio disfarçado enganou
estão chamando para a guerra
queria paz mas veio a luta
não era um deles e agora sou
sou da floresta e do Xingu
sou caiapó sou ribeirinho
vamos todos agora sem tardar
para a luta.

Goiás, 16 de novembro de 2011.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Você espera que tudo vá bem


Você espera então que tudo vá bem.

Assim.

Enquanto isso você continua
vai ao trabalho, paga suas contas
aos fins de semana, quando dá,
se diverte, um cineminha, talvez
a casa financiada, mulher,
filhos, cachorros, um carro novo
financiado, e vai levando.

Você espera então, assim, que tudo vá bem.

Enquanto isso você continua
procurando o mínimo de conforto
a escola boa para as crianças
devem passar no vestibular aos 17
universidade pública, claro
e paga seus impostos de bom cidadão.

Você espera e confia que tudo vá bem.

E vive sem pensar muito
de onde vem a luz obediente ao interruptor
será possível viver sem ter patrão
obedecer as leis feitas sob encomenda
seguir em frente assim, confiando
tudo bem, tudo certo
sem saber nem um pouco
do que se faz a vida.

Goiás, 14 de novembro de 2011.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Vai tomar banho na Sota!

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A Sota



Ah, vai tomar banho na Sota!

Mas se chover, não dá!
água de barro
depois da trovoada
na cabeceira
enxurrada
lava a pedra
cavando pouquinho
não dá pra ver
na vida do homem
porque as árvores
talvez notem
a pedra dura
cedendo à água
correndinho.

Mas na seca, não dá!
poço rasinho
água parada
lodo brejeiro
riachinho
secando minguando
areia na margem
o cheiro
até o barulho
pequeninho.

Mas depois da chuva
rio redivivo
debaixo do sol
sorri colorido
verde-azul barulhento
correndo corrente
transborda bonito
a gente pula
e banha e alegra
da vida boa
na Vila Boa
de Goiás.

Goiás, 25 de outubro de 2011.
* "Vai tomar banho na soda" é um ditado de Goiás que significa a mesma coisa que "Vai catar coquinho" ou "Vai ver se eu tô lá na esquina". Eu, novato nessas paragens, achava que era "Sota" ao invés de "soda". Convenhamos, a Sota é muito mais divertida!

domingo, 23 de outubro de 2011

Poema para historiadores


O historiador
ele mesmo história
flui no rio da vida
abandonando os barcos
do adiante
mirando atrás
enquanto a água
vai passando.

Goiás, 23 de outubro de 2011.

A vida das memórias


Sinto saudades
de memórias esquecidas
como fossem
o âmago do ser
carregando consigo
a vida que pulsa
em cantos escondidos.

Goiás, 23 de outubro de 2011.

sábado, 8 de outubro de 2011

Poema pequeno


Quero um poema pequeno
que caiba nos becos
ruas estreitas
praças de coretos
córregos sequinhos
esquinas e quintais.

Poema
lembrado
na terça-feira
às três e quinze
enquanto se arruma a casa.

Verso menor
falado
num encontro fortuito
na rua, na praça
no vai e vem.

Palavra
propaga
nas bocas de qualquer
bonito
singelo, seja!
de quem quiser.

Goiás, 8 de outubro de 2011.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Paramnese (provisória)


Quando escuto aquela canção
subitamente melancólica
as grandes nuvens das serras
úmidas do choro dos deuses
descem sobem dissipam
abraço o mundo
e lembro muito bem
da necessidade
da virtude
da beleza
da vida
da arte.

Goiás, 15 de setembro de 2011.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Notícias

Mando notícias, amigos
em pouca prosa distante
em versinhos aqui e ali.

Leiam atentos
percebam
cada palavra
impregnada
da vida aqui
das memórias lá.

(Desculpem-me
lá é o aqui de vocês)

Mando notícias daqui
do longe de vocês
o inominado cerratensis
sertão acabrunhado.

O mundo urge
as correrias urbanas
distâncias lentas.

Aqui respondemos
desleixados
à urgência.

Não vou vê-los
amigos,
já não posso vê-los
sem sofrer.

Inimaginem minha vida
venham, vejam.

Carrego todos comigo
junto ao esquecimento
e a mirada baixa
(é para proteger do sol)
tentando ver
em frente
o que vem.

Goiás, 7 de setembro de 2011.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Hoje

Quero ver
todos os lugares
o aqui hoje
impossibilita infinitos.

Noutra parte
meu coração volta.

Tudo é imenso
e lindo e até
esplêndido
como a vida.

O tempo mata
a desolação humana
não espera.

O tempo
como sempre
só faz passar.

E estou aqui
querendo longe
ver todos os lugares.

E no pensamento
longe
meu coração
volta.

Minha casa de agora,
minha cidade do hoje.

E aqui
os lugares
e o mundo
vão se esvaziando
tudo fica
sem cor
desalmado,
esperando
esperando...

Goiás, 6 de setembro de 2011.

Poesia escolar

Num lado
a palavra
ressoando
baixinho.
Ali um murmúrio
ausente ocupa
espaços e impede
com tristeza
a poesia.

Goiás, 6 de setembro de 2011.

Era eu

Esse era
e não sou mais,
como é difícil
observar.

Goiás, 6 de setembro de 2011.

Fotografia

Pediram sorrisos
naquela foto
para no futuro
parecesse
que éramos felizes.

Cidade de Goiás, 6 de setembro de 2011.

domingo, 14 de agosto de 2011

Londres


Uma surra no alvo preto
a sociedade precisa de proteção
tudo está normal.

Uma jaula para o alvo preto
é preciso isolar os delinquentes
tudo está normal.

Um tiro no alvo preto
a cabeça explode em vermelho
tudo está normal.

Quatro filhos pretos
sem pai jogados ao mundo
tudo está normal.

Uma mãe sozinha preta
lamenta e chora
tudo está normal.


O povo então se levanta
grita em uníssono justiça
e ouve como sempre não.

O povo então se irrita
toma de assalto o centro do mundo
algo estranho acontece.

O povo então marcha
clama dissonante respeito
oh, Deus, será possível?

O povo cheio de ira destroi
vidros quebrados fogo morte
dedos em riste apontam a culpa.

O povo então não desiste
permanece cabeça altiva
Londres já não é a mesma.

Goiás, 14 de agosto de 2011.

sábado, 23 de julho de 2011

A força do tempo

As cobras gigantes passeiam pelos rios
em totens olvidados de mim,
meu nome não é esse
vocês todos deveriam saber,
o sol se põe hoje e amanhã
cada dia a luz num quadro
as fotos eletrônicas com flash
não conseguem ver.

O chocalho monocromático ressoa
do outro lado vejo a mim mesmo
com a pele mais escura
vermelho marrom de sol
forte como a vida e a palavra.

No espelho, pela noite,
não sinto o cansaço
na língua incompreensível-mim
reconheço um canto, belo
e não posso tocá-lo.

Sinto apenas o coração pulsando
aqui e muito longe
onde vejo ou se me escapa
e bate e pulsa
com a força do tempo.

Goiás, 23 de julho de 2011.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Aplauso

Aplauso para o céu
beijo as estrelas
reverência para o sol
repetição esplêndida!

A lua cheia alegra
de outra forma sorri
os anos sem fim das árvores
levam muitos pensamentos
vagarosos e suaves.

Chuva depois da seca
ressurreição de tudo
as abelhas as flores
frutas multicores
pássaros rasgos no ar
rios pacientes
mar até o horizonte
infinito.

De braços abertos
recebo toda a vida
reconheço acanhado
merece aplauso de pé
e uma grande reverência
o criador.

Cidade de Goiás, 30 de junho de 2010.

sábado, 25 de junho de 2011

Olhos fechados


Se estudamos o holocausto
por que não o genocídio
dos índios brasileiros?

Se aprendemos várias línguas
de países distantes
inglês, francês e alemão
por que nem tentamos
inỹ, awen, tupi
que estão pertinho?

Se aceitamos no Brasil
gente do mundo inteiro
por que não toleramos
os que estavam aqui
bem antes de nós
e nos receberam
e insistem sobrevivendo?

Se estudamos a revolução francesa
por que não damos atenção
as revoluções da nossa terra
e dos nossos vizinhos
centenas de povos buscando liberdade?

Se adotamos o cristianismo
e os dogmas absolutos
por que esquecemos o Cristo
e seus ensinamentos
e sua compaixão?

Se somos humanos
por que durante tanto tempo
fechamos os olhos
para não ver a maior parte
dos nossos semelhantes
como se não estivessem ali?

Cidade de Goiás, 8 de junho de 2011.

sábado, 11 de junho de 2011

Não ao medo!


Não ao medo dos fortes
que oprimem a gente
e a tornam pequena.

Não ao medo dos ricos
que roubam a gente
e a tornam pobre
como nunca foi.

Não ao medo dos grandes
donos de tudo
terra água ar
que cercam, proíbem a gente
de andar livre pelo mundo
e viver a vida como deve ser.

Não ao medo dos latifundiários
dos políticos dos empresários
não ao medo
da polícia que mata
do bandido que mata.

Não ao medo da bala
da emboscada
do escuro.

Não ao medo!

A terra o rio a beleza
a dignidade
a força do braço
são nossos por direito
todos sabem
a terra que grita sabe
o bicho que espreita sabe
a árvore antiga sabe
o broto novo sabe
o fogo que queima sabe
a chuva que apaga sabe
o vento que geme sabe
toda a gente sabe
mas alguns
fingem não saber.

Não ao medo
nem da vida
nem da morte.

E se a caminhada tiver que acabar
hoje amanhã ou na próxima estação
vai ter de nós
força luta e coragem.

Cidade de Goiás, 10 de junho de 2011.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pulsa


Bem aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.
Mateus 5, 4-6 

Até quando escreverei poemas sobre morte
todos os dias só fim sem começo
angústia e amargura e injustiça
sobre esperança e renascimento
neste mundo resta pouco a dizer
estou cego e não escuto
falta-me a forte compreensão
queria como os loucos
virar o mundo do avesso
recriá-lo ao prazer da justiça
serenidade e amor e paz
então triste dou o que me resta
como sombra e sofreguidão
essas palavras pequenas
esse grito abafado
pulsante como as vidas
apagadas dias atrás.

Cidade de Goiás, 30 de maio de 2011.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Como é fácil


Como é fácil ser ambientalista
na cidade grande:
reciclo o lixo, sacola retornável
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser comunista
na universidade:
estudo Marx, escrevo um livro
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser ruralista
no sertão do Brasil:
roubo a terra, corto o mato,
mato alguns
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser grande empresário
na cidade ou no sertão:
isenção fiscal, BNDES,
exploro milhares
e me sinto muito bem.

Como é fácil criticar de longe
o mundo todo:
cuspo umas palavras,
um gosto amargo na boca,
nenhuma diferença,
mas não me sinto muito bem.

Cidade de Goiás, 27 de maio de 2011.

Dinho



Hoje caiu Dinho
mais um, na frente da família
caiu como as árvores
senhoras antigas da floresta.

Vão sendo derrubados
dia após outro
os homens e as árvores
no coração do Brasil
onde a civilização
é o brilho da bala
e o vermelho do sangue
seco no chão.

Na crônica dessa vida
os nomes dos assassinos
foram ditos antes
e todo mundo sabe
na cidade pequena
quem vai morrer
e quem vai matar.

O barro seco do chão,
vermelho cor de sangue
voa com o vento,
já não tem o mato
pra segurar a terra,
leva pra bem longe
a lágrima de hoje.

Anistia aos matadores.
Anistia aos desmatadores.
Mas uma lei basta
eles são as mesmas pessoas.

Cidade de Goiás, 27 de maio de 2011.


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Zé Castanha e Maria do Espírito Santo


eles estavam no caminho de casa
na moto velha de guerra
talvez conversando sobre banalidades
dessas que a gente fala todo dia
o que fazer pra comer
o preço do leite
o filho doente
o futuro.

Então quase ninguém ouviu
vindos do escuro, escondidos,
os ruídos repetidos sem cessar
desde o descobrimento
da Nossa América.

A vida deve sempre
dar lugar ao progresso.
Não é o bagre bigodudo
presente só no afluente do afluente do grande rio,
não é só a castanheira, o açaizeiro,
é o homem, a mulher,
o casal que hoje não volta pra casa.

Vai ver prendem uns pistoleiros
depois de dois anos regime semi-aberto,
de mil dos poderosos prendem um,
aguarda os mil recursos em liberdade.

Antes fosse a lei da selva!

Agora quem vai tirar
da cabeça das pessoas
esse progresso-trator infinito,
vai arrastando tudo
mata-mata-mata
preto, branco, índio, mestiço
mata floresta
mata cerrado
mata água
mata terra
mata ar?

Zé Castanha não colhe mais,
o boi do desenvolvimento
quer pastar no seu quintal.
A Maria foi mesmo pro Espírito Santo,
deixou o caminho aberto
pra moto-serra zunir
e fazer do Brasil potência.

O futuro deles não veio,
o nosso está aí por fazer.

Cidade de Goiás, 26 de maio de 2011.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

O trabalho do trabalhador


No primeiro de maio
sempre esquecem
e sempre irrita
dia do trabalho!

Esquecem?

Trabalhe, vagabundo
não gosta de onde está
vai procurar outra coisa.
Nos dias de hoje
não há mais espaço
pra gente preguiçosa
serviço fácil.
Não quer essa vaga,
tem gente lá esperando
pega pela metade.

Fazem de propósito!

Celebram o trabalho
martelam como as máquinas
e a gente besta acredita.
A gente acredita
porque tem que acreditar
no mundo globalizado
na vida moderna
no escuro no medo na solidão.

Dia do trabalho!

Todos os dias
são de preocupação
pânico e repetição:
trabalho.

Podiam deixar um dia
mas não!
Um dia...
Memória fraca
foi um massacre em Chicago
e quantos massacres depois
um dia só pra lembrar
no descanso e na luta
o dia é do trabalhador!

Cidade de Goiás, 14 de maio de 2011.

O dia das mães


No dias das mães
a minha não apareceu
como costumava fazer
nos sonhos frequentes
depois que partiu.

O sonho repetia a vida
a saudade não dita
o amor que não mostrei.

O sentido do abandono
e nenhuma explicação
comparecem todos os anos
nos maios das compras desenfreadas.

O abraço vazio
a solidão desencontrada
o costume da ausência
ali em frente são dez anos
e no fundo eu ainda
não me acostumei.

Cidade de Goiás, 14 de maio de 2011.

domingo, 8 de maio de 2011

Nunca mais


Escrevi 53 poemas reclamando
das festas de ano novo,
falei mal do Natal durante anos,
xinguei a Páscoa e seus ovos e coelhos
mas poupei Nossa Senhora de Aparecida
porque não sou católico.

Celebrei aniversários
e outros deixei passar.
Escrevi cartas, inventei memórias
li e-mails antigos e senti saudade
mas é assim, não quis voltar.

Recebi poemas de amigos,
escrevi poemas para amigos,
viajei por aí e voltei
e de vez em quando
sinto uma vontade
de sair pelo mundo
conhecendo gente nova
e revendo os velhos amigos
um por um
em São Paulo
em Blumenau
em Porto Alegre
e Puerto Quijarro
Lima, La Paz, Santa Cruz de la Sierra
donde estuve con los bolivianos por un mes!

Vamos, vamos, vida!
Buenos Aires, Montevideo
a pequena Las Grutas
e a grande Santiago
do cerro Santa Luzia!

Às vezes, quase sempre
me canso das pessoas
e prefiro a natureza.

De vez em quando,
como um vulto
passando atrás de nós
enquanto andamos pelas ruas
cheias das grande metrópoles,
lembro dos amigos distantes
e sinto saudades
e me dá ganas de voltar
percorrendo os caminhos conhecidos
relembrando as histórias
rindo com nostalgia
e falando do tempo passado
que não volta
nunca mais.

Cidade de Goiás, 5 de maio de 2011.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Devagar ou a vida nova que escolhi.


Para Goiás

Devagar como as águas do riacho
a vida vai seguindo
até a próxima curva
a seca de todos os anos
e a ressurreição.

Escuto os sons
um por um
no escuro, à noite
sob o luar sorriso
um por um
devagar.

É verdade
tudo aqui demora mais
onde estão os lugares
os óculos não chegaram no prazo
o médico não veio hoje
os amigos
ainda estão escondidos.

Devagar espero
a vida adiante
a festa, o festival
ando no mato
banho no rio
sob o sol.

Caminho à noite pela cidade
de história e escravos
a tradição e a família
os outros como eu
fugindo e procurando.

A vida não acaba aqui
ela começa outra vez
até onde a gente não sabe
antes de fazer a curva
o rio pode secar.

É pequeno o labirinto
das ruas de pedra
as grandes árvores dos quintais
cantam ao entardecer.

Devagar
e só às vezes
as palavras vão
brotando dentro em mim
como da primeira vez
e a vida vai
e o tempo passa
em toda parte
parece igual
mas aqui parece
um pouco mais
devagar.

Cidade de Goiás, 17 de abril de 2011.



O carro ou a vida que deixei para trás


Para São Paulo

Dentro é minha casa
minha vida e o que sou
as conquistas para todos verem
no brilho e na potência
tração 4 por 4
um tanque de guerra
andando pela cidade.
A buzina é minha música
o ronco do motor
que maravilha!
saiam da frente
deixem passar
os 300 cavalos
é meu direito
tenho pressa
tenho medo
tenho tudo
em meu blindado exclusivo.

Vale mais que a vida.

Trabalho como um louco
junto tudo
não tenho casa
não tenho mais nada
por todo o sacrifício
eu mereço
esse luxo que mata
devagar
intoxicando
rápido
num acidente.

Acidente?

Quero ir rápido
quero chegar logo
antes de todos,
mas todos querem
chegar como eu
rápido
mais rápido
todos todos
velocidade máxima
10 km/h na cidade
no meu território
de todos os dias.

Respiro fundo
tusso, escarro
piso fundo
paguei caro
eu mereço
mereço essa vida
esse mundo
andando devagar
rodando rodando
cada vez pior.

Cidade de Goiás, 17 de abril de 2011.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um poema para os meus amigos ateus torcerem o nariz


A história do mundo quica em
minha cabeça
e então eu penso:
será possível ter uma conversa amistosa
com um comunista ranzinza?
E se eu falar de Deus e das questões existenciais
que me perturbam e me resolvem
viro automaticamente um conservador?

Mas é que essas outras respostas
sofríveis e tão chatas
de evolução-ciência-e-sei-lá-o-que-mais
parece que suprimem do mundo
de uma só vez
todas as gargalhadas de alegria.
E a objetividade tão séria
é tão verdadeira e sem paradoxos
que – tenho quase certeza
parece mentira.

Mas como a gente faz pra explicar
tudo de uma vez?
Precisamos respostas, afinal, e o sorveteiro
da rua não vai me decifrar
o sentido da vida por 50 centavos
num sorvete de cajá.
Mas é gostoso num dia de calor
banhar no rio e pular como criança.

(O rio e a criança são recorrentes em meus poemas, eu sei)

Só que se eu for inocente serei enganado.
E então?

E então podem dizer o que quiserem
quem sabe não digam nem pensem
nada sobre isso
e minha vida lhes seja de todo
indiferente.
Mas se não for e vocês pensarem
considerem só um momentinho
– eu quero um mundo justo também –
considerem a possibilidade
pequena e absurda
de Deus estar lá
sorrindo conosco
quando a gente vive
e desfruta a vida
e se alegra
como crianças inocentes.

Não sei de tudo
a beleza de existir
e o sol, o rio, os pássaros
e a alegria de vez em quando
ah, tem algo escondido ali
uma sombra, um caçador
o nome que for
é mais do que podemos ver.

Goiás, 4 de abril de 2011.

sábado, 2 de abril de 2011

Os insuportáveis


Você pode não gostar de alguém
achá-la uma pessoa insuportável
mas quando ela morre
subitamente
então você gosta.

Ela mentia e cometia pequenas traições
você observava
e achava aquilo tudo
desprezível
mas num golpe da vida
tudo está perdoado.

Você odiava aqueles cacoetes
sentia asco daquela afetação
em seu rancor
queria vê-la desaparecer
mas não era para tanto.

Ela morreu
de forma inesperada
e você se deu conta
era só uma pessoa
como tantas outras
andando por aí
vivendo a vida
fazendo o melhor que pode.

Goiás, 25 de março de 2011.

terça-feira, 8 de março de 2011

Os fantasmas

Às vezes eu fico paralisado
pela dúvida,
você não?
Quero escrever, falar, responder,
mas quem sou eu?
Sabe como é isso?

Os fantasmas andam por aí
perseguindo a nossa alma.

Nos dias ócio demasiado
leio livros, mato tempo
e olho para dentro.
Nem sempre aprecio a visão.
Acontece com você?

Lá fora estão todos festejando
a felicidade falsa,
mas são humanos como eu,
entende?

Há desejos perdidos
a moral não permite.
Não quero ser assim,
sabe?

Quando sei
tenho vergonha de dizer,
o mais importante
parece escondido.

Os fantasmas...

Num dia
pensando
a vida parece tão estranha.
É constragedor,
já sentiu isso?

Eles estão lá fora
aqui dentro
por toda parte
e não vão embora
por mais que a gente queira.

Cidade de Goiás, 6 de março de 2011.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Não sou daqui


No meu cotidiano parado
vejo de longe a vida nas metrópoles
e palavreio sobre a chuva de cá
e o nada e o tempo
o tempo só passando, passando.

Gente é gente
igual em todo canto.

Aqui na Villaboadegoiás
o estagiário do arquivo
escutando o batidão sertanejo
do show lotado da cidade grande
querendo ir pra lá
oportunidades na vida.
O ferragista que não diz quando vem
e no final não vem.
Aquela senhorinha
não quis me alugar a casa
barbudo de outro lugar, oras!
As crianças perguntam
o sobrenome, a família
essencial!
Na universidade
falta o carimbinho no papel
pra fazer a matrícula.
O nada no trabalho
eu-queria-ver-os-índios
contrasta.

Aqui no meu quintal
coisas de sempre
goiabas galinhas limão
caju cajá fruta-do-conde
romã, veja só!
outras mais.

Aranhas, insetos
o escorpião amarelo
ali no cantinho
no meu sonho.

E o tucano, ai!
pertinho,
revivo!

Não sou daqui
não quero ser de lá.

Cidade de Goiás, 21 de fevereiro de 2011.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A alma sobrevive


O sangue se esparramou na cara
na calçada ficou e secou
como a memória seca
esquecida com o tempo.

Os ossos quebrados doem
na nossa vista por um instante,
doem na mesa de cirurgia,
na cicatriz e no medo
o resto da vida.

Olhe ali o nariz quebrado no chão,
olhe ali os oito fardados,
a multidão ensandecida,
a desrazão de todos nós.

Reinvento Freud,
a doença da civilização brasileira,
Whitman diz dormindo
Oh, Brasil, imenso,
até quando?

O gás, a bomba moral,
a explosão da moral,
vale a pena andar por aí
ainda, ou deve ser melhor
o livro, a tv, a internet.

Mas ele voou sobre o policial,
falta-lhe a disciplina de Luther King,
não, ele não leu Liev Tolstoi
ou simplesmente na hora
não conseguiu se controlar.

Às vezes a raiva vence
e Jesus de longe observando
faz que não com a cabeça
e corre para abraçar.

Correm para socorrer
todos os cristãos mortos
e Madre Teresa de Calcutá
vem lavar as feridas.

Os cristãos vivos
compram um carro
e passam longe dos ônibus
dos protestos e da desordem social
e veem tudo em casa
pelas notícias das redes sociais
e comentam.

A pregação dos pastores
quase sempre não encosta
nem de levinho
em minha alma de ressaca.

Fernando Pessoa e García Lorca
fazem não com a cabeça.

Mas Jesus, o Evangelho que aprendi,
volto pra ele cansado,
cheio de desânimo
e encho os pulmões,
sôfrego, sem os ossos da cara estilhaçados,
lembrando da tropa de choque,
os cavalos imponentes
e tanta raiva.

A alma sobrevive.

É tão bonito
ver o amor desabrochando
quando uma pessoa
olha para outra,
firme, esquece o mundo,
pronta para ajudar,
fazer-lhe uma oraçãozinha que seja,
concentrar nela seus pensamentos
por um segundinho só.

Esse segundinho é tão difícil
na hora, naquela hora mais necessária, ai!
não consegui dar a outra face.
E então mundo inteiro me condena,
reprova minha atitude,
a falta de firmeza,
a tibiez de caráter,
pulsilânime.

Mas Jesus olha lá de longe,
faz não com a cabeça
e vem abraçar todos,
o desordeiro cheio de ideias,
o bom cidadão que julga o mundo de sua casa,
o poeta inspirado na frente do computador,
o policial fardado e com cacetete
e até mesmo os cristãos.
Abraça com calma e paciência. Oh!

Não me julguem inocente, amigos,
já sei, quero ser como as crianças,
não me julguem desordeiro, amigos,
já sei, quero ser como os revolucionários,
não me condenem, amigos,
deixem isso comigo,
eu preciso de todos vocês
e quero dar de graça
aquela coisinha, todos precisamos,
é pouco, eu sei, desculpem!,
o amor.

Cidade de Goiás, 19 de fevereiro de 2011.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Eu tenho medo do escuro




A peãozada posta para recauchutar
a poesia,
cowboys, estilhaços,
a mente ferve.
Crianças feitas para recauchutar
a vida
vai assim.

Não uso ácido
Não quero filhos
Acredito em Deus.

Fico com raiva quando vejo o boi
pulando como um louco no rodeio,
quero que ele chifre o peão.

Deus está lá em cima
olhando pra mim
eu sei.

Queria falar melhor com ele.

O peão sabe
que dói no boi
quando a espora bate na barriga.
Bate mesmo assim.

As crianças crescem
mal educadas
e me deixam desesperançado.

Mas algumas pessoas são boas
e eu tenho esperança outra vez.

Minha mãe morreu,
minha sogra teve câncer,
minha irmã teve câncer,
um bebê doente,
onde está Deus aí?

Eu sei, outra e outra vez,
não vou entender tudo,
mas quero entender 
mesmo assim.

Estupidez.

Mas as crianças nascem
nos lares pobres
mesmo assim.

A droga destrói a mente
e os intelectuais usam
mesmo assim

Eu tenho raiva
às vezes.
Faço uma oração,
não escuto nada,
e repito.

Eu duvido,
o ateu também duvida.

Pode ser, pode não ser.

A roda gira
e a gente vai
seguindo alguma coisa
mesmo dizendo que não.

Eeu sei
só não consigo ver.

Cowboys pisados
a mente estilhaçada
como é o ser humano.
Deus olha lá de cima
perto-longe.

Ha!

E essa angústia que não passa
às vezes.

É que não ando muito bem.

A noite escura da alma de João da Cruz,
o peregrino russo,
não sei não sei não sei.
Sei.

É assim.

Uma vida puxa a outra,
o filho renova o pai
e vamos levando.

Ai ai!

Tem tanta coisa louca:
Deus existir é absurdo
mas não existir é mais ainda!

Todo mundo acredita
(mas se esconde no cantinho,
com medo de admitir)
em alguma coisa
(fala que não,
que é isso ou aquilo),
é fácil perceber
(tem tanta bobagem,
nem dá pra contar).

Ah, quanta gente.
Pensei mentirosa
mas mudei de ideia.

Mas, acho, a maioria é mentirosa.

Pode ser.

Eu sou mentiroso ou não sei.

T. S. Elliot, Chesterton, Lewis, meus amigos.

Uns falaram que Deus morreu
mas eu não vi nada.
É difícil vê-lo vivo
mas morto,
epa!,
que tonteira!

Freud, Russell, Wells.

Porque a ciência disse
(imagine um velho
com ar empolado
e óculos na ponta do nariz)
isso e aquilo.

E eu disse que não.

Então e daí?

Só porque eu quero
então não existe?

Bobalhões.

Eu converso comigo e sou um amigo imaginário.

Viva Alice no país das maravilhas.

Use a imaginação
para ver coisas indizíveis
a não ser que seja cientista
e ache que a imaginação
é uma mentira mentirosa.

Mas eu também imito 
um sapo saltitante
e quero montar uma casa
para acolher os pobres, os drogados e os peregrinos.

Meu Jesus!

Será que o Bush era a besta do Apocalipe?
Bobagem.
E o que será que significa
"Jesus Cristo está voltando"?

Tenho muitos amigos
e vou levando a vida
converso mais comigo
que com eles.

Um sorriso, um abraço.

Vai me dizer que o amor é uma bobagem!

Meu Jesus!

É ou não?

Parece?

É preciso se posicionar.

De minha parte
sou trôpego
quase bêbado
inválido.

Não não não.

Fervilho e não sei o que fazer
como um bobo infeliz
pior que uma criança,
pior,
mas a verdade 
não depende de mim.

É preciso escolher um lado.

É assim
deve ser.

Não pergunte o porquê.

Minha resposta
nunca vai ser a sua
e você ficará com fome.

Decisão.

Você sabe o que parece
fazer algum sentido.
Vai me dizer que não precisa sentido
mas qual!

E a beleza?
Poesia?

Bata na porta
alguém vai responder.
É verdade que pode demorar
mas é melhor que ficar na rua
molhado da chuva
com medo do escuro.

2009-2011.