segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Do belo amor


Pensei em responder passo a passo
aos poemas de Álvaro de Campos
fingindo-me grande, imenso, infinito,
como se estivéssemos frente a frente.

A intuição cósmica da tristeza
e o desespero labiríntico
descem na garganta secos,
são tão belos.

Não, não posso respondê-los,
são tão lindos.

A beleza é dessas coisas,
cada dia vemos,
cada dia admiramos.

Admiro-te então, senhor Álvaro,
teus escritos desencantados,
tua angústia voraz,
essas lágrimas entrecortadas
de quem entrou de súbito na tabacaria
para um gole de absinto.

Um dia, um dia certamente,
um dia desses qualquer,
de céu azul e sol ardente,
a alegria aparece
e o amor vence o medo.

Goiás, 31 de agosto de 2015.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Os brutos

Os brutos,
como se sabe,
também amam.
Mas o amor dos brutos
é como eles,
forte, violento,
brucutu.

Os brutos,
quando tranquilos,
maquinam algo.
Roem as unhas,
sofrendo, pensando
no próximo ataque
da vida.

O bruto é assim,
mesmo sem sofrer
nunca
nenhum ataque.

O bruto,
quando agradecido,
consegue, com esforço,
parir um obrigado.
E afasta-se rápido
quase envergonhado.

O bruto,
quando gosta de alguém,
faz-lhe coisas,
fica ao seu lado,
resmunga
e nunca diz
simples assim,
te amo.

O bruto,
quando está contente,
corre a fala solta,
euforia pura,
canta e dança
e xinga.

O bruto,
quando concorda,
demora a dizer sim
e depois faz
igualzinho
– ideia própria.

O bruto,
como qualquer um,
tem o mundo ali dentro
mas faltam palavras
para colocar de fora
o sentimento.

O bruto é desse jeito,
vive a vida
esbarrando nos outros
quando queria mesmo
um abraço.


Anápolis, 1º de janeiro de 2018.

sábado, 13 de janeiro de 2018

O sono

O sono é um prenúncio da morte, 
o cansaço dos dias, 
a desilusão com a vida. 

O sono é o único remédio 
para o esgotamento 
de todos os trabalhos ordinários. 

Depois da farra - o sono. 
Estudo compenetrado - sono. 
Labuta frenética - ah, o sono! 
Ele subjuga, 
ergue-se vitorioso 
sobre a consciência altiva. 

Embriaga e seduz 
corpo e alma. 

Chega num bote certeiro, 
carinho manso, 
na cama quentinha, 
no chão da praça, 
na biblioteca. 

Compromete a imagem: 
as bochechas amassadas, 
o restinho de baba, 
os olhos de ressaca, 
o mau-humor descontrolado. 

Nada mais existe 
quando o sono vence, 
a vida perde as cores 
e escurece. 

O sono é um anúncio da morte. 

Depois dele surge o dia, 
luz e vida, 
nos esperando 
a ressurreição.

Formosa, 10 de janeiro de 2018.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Agenda


Enquanto vigiava a noite
meditava sobre verdade e beleza,
bateu súbita a prosa da vida.

As tarefas do dia
dividem a mesma agenda
onde me sai sofrida a poesia.

Consertar o chuveiro
A reunião – não irei
Escrever para fulano.

Resisto – em cada página
espreitam poemas, sonhos, desenhos,
e tudo se mistura
nos dias velozes,
lambendo o tempo
o tempo que nos resta.

Anápolis, 8 de janeiro de 2018.