sábado, 24 de agosto de 2019

Colheradas de desgosto


Como colheradas de desgosto
no café, almoço e janta,
todos os dias deste ano.
O prato sempre cheio,
já conheço o tempero,
mas nunca me cai bem.
Vou sorvendo sem querer
colheres muito cheias
de vergonha, raiva e ódio.
Sinto o estômago pesado,
o sangue um pouco sujo
e dor no coração.

Quanto tempo nos resta
desse amargo na boca,
quando vamos respirar
fora dessa névoa empesteada,
até quando valerá
a proibição dos sonhos,
quando os jovens vão se amar,
os velhos vão sorrir,
e a gente – no meio do caminho
vai viver pensando
vale a pena,
quero tudo outra vez...

Meu espírito está amarelo,
a cabeça um pouco zonza,
procuro, e continuo,
assim mesmo, desespero,
uma nota de esperança.

Anápolis, 8 de junho de 2019.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A ordem virá


Está escrito num texto velho
dê a outra face,
mas a gente se vinga
e faz sinal de arminha.

Quando criança me disseram
para amar o próximo,
mas os novos alunos
escutaram a voz do espírito
gritando bem alto
pra mirar na cabecinha.

No início de tudo,
bem no comecinho,
a gente lê,
depois de seis dias
tudo era muito bom,
devíamos cuidar do jardim,
mas hoje a coisa mudou,
somos nós que mandamos
e resolvemos queimar tudo
abençoados por Deus.

Jesus disse num monte,
os pobres em espírito
são felizes,
mas a gente ensina hoje,
não pode dar o peixe
tem que ensinar a pescar.

Isso é o que mais me confunde:
ele mesmo não deu aos famintos
peixes com pãezinhos?

Já sei, se ele aparecer aqui,
como disse o grande inquisidor,
a gente mata outra vez,
o atirador está a postos
aguardando a ordem
que virá, sim virá,
se permanecermos assim,
em silêncio.

Anápolis, 21 de agosto de 2019.

A bala que encontra


O homem saiu do ônibus
com um isqueiro
e jogou um casaco.

Havia reféns,
sabemos todos.

Seis tiros de elite,
tudo se resolve.

Socos no ar,
marcamos um gol!

Quando será
que uma bala perdida
vai me encontrar?

Anápolis, 21 de agosto de 2019.