terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Um por cento ou matemática da defesa

Eia, pois, agora vós, ricos, chorai e pranteai, 
por vossas misérias, que sobre vós hão de vir. 
Tiago 5,1

Como nos defenderemos
dessa gente mesquinha e covarde,
a elite empreendedora,
os ricos, as corporações,
esses senhores disfarçados de dignidade
nos ternos bem cortados,
no minimalismo descolado
das jovens start-ups,
os donos do mundo e do capital,
um por cento predadores?

Senhores e senhoras
vamos aos números
do susto e da desgraça.
Menos de um por cento
de todos os seres humanos
engole quase a metade da riqueza produzida.

Ze-ro-vír-gu-la-se-te.

Vamos clarear
talvez ainda
esteja difícil de entender,
população de 0,7% = 41% do tesouro.

Certas pessoas comem por cem.

Ainda mais números,
precisamos da matemática,
senhoras e senhores.

Oitenta e cinco
é o cômputo das gentes
engolindo em bocadas grandes
oitocentos e trinta e três
pedaços do bolo
repartido em mil.

Outra vez
é preciso
esclarecer:
pessoas 8,5% = 83,3% da fortuna.

Essa gente come bolo!

E ainda querem
nos fazer acreditar
que esses poucos
produziram tudo
com seu suor e trabalho.

Sou fraco nessa fé.

O resto de nós todos
é apenas um bando
grande e preguiçoso
que não se esfoçou o suficiente
ainda?

Como nos defenderemos
desse ataque tão mordaz?

A comilança sempre aumenta
e devemos produzir outro bolo
recheado e com confeitos
para os patacudos.

Vamos todos juntos
trabalhar alegres,
bem dispostos,
talvez nos sobrem umas migalhas!

E essa gente gulosa mata
um dia após o outro
as girafas pescoçudas
os rinocerontes chifrudos
os leões reis-da-selva
os corais da Austrália
os peixinhos da Amazônia
os tubarões do mar azul
os gorilas grandalhões do Congo
infinitos seres pequeninos.

Bocarra aberta
engolindo o abismo da criação.

Dessa violência
nos defenderemos?

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Santo ofício policial


A multidão andava, rápido,
corria ensandecida.
Os carros de som
bradavam inaudíveis.
As bombas de efeito imoral
caíam incontáveis.
As bombas de gás
voavam infinitas.
Spray pimenta
balas de borracha
cavalaria.

É que viraram um carro
tudo está justificado.

Sobre os pecados da polícia
desce imediatamente
a graça divina:
fazem seu trabalho.

Trabalhar, hoje,
é sagrado!
São Paulo disse:
quem não quer trabalhar
não coma.

Picharam umas paredes
tudo está justificado.

Na cortina de fumaça
chovem bombas
sobre a multidão.

Crianças perdidas,
adultos desconsolados,
jovens resistem.

Barricadas, fogo!

Depois do santo ofício
exercido sem moderação
ninguém reclama
do carro queimado.

A multidão recuava
por todos os lados.

Um menino solitário,
calça jeans, sem camisa,
lenço no rosto,
solidário com a vida
gritava e desviava
todos, todos!

Havia um ninhozinho
de Quero-quero.
A mãezinha berrava,
mais que as bombas.
A multidão com medo
desviava, respeitosa.

Marchavam os cachorros
dos donos do poder.
Os rastros da dor
cruzavam o ar
antes de explodir.

Passaram todos pelo ninho,
e então vieram.

O que foi do passarinho?

A polícia,
a polícia não desvia.