quinta-feira, 14 de junho de 2018

Saí pra ver a América

Eu vi um homem passando por mim
e de manhã ouvi um pássaro cantando
uma canção alegre.
Saí pelo mundo
fui ver a América
e encontrei coisas pequenas
e coisas grandiosas.
As pessoas, o dia-a-dia
na minha frente
perto perto,
toquei, senti
a cordilheira, os grandes lagos, o deserto
senti as pessoas
almas desesperadas
pelo mundo que muda rápido.
Dividi uns pãezinhos com desconhecidos
numa praia num dia de sol,
várias pessoas recusaram ajuda
outras tantas me levaram a suas casas
e dessas me lembro os nomes, os rostos
os sorrisos na imagem que ficou para trás,
ganhei tanta coisa, tantas vidas
tocaram em mim lá dentro.
Saí para ver a América
e dentro dela vi o mundo inteiro.

Campinas, 2 de setembro de 2008.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Coração em aporia


Na classe de literatura
estranhavam-me a impotência
de ler algo tão curto
como a colônia penal
enquanto crime e castigo
passava rápido pelos meus olhos
duas, três, não sei quantas vezes.

(Reli para o seminário
o professor que eu admirava
se disse impressionado)

Kafka é maravilhoso,
não precisam me explicar,
mas muitas páginas são nada
quando se encontra no final
graça, esperança e redenção.

Insistiam comigo, era piegas
a expiação do culpado,
eu pensava aqui dentro
e respondia sem receio
que não entenderam.

Já faz dez anos
de quando eu não lia
o livrinho,
cheguei à última página
e vi a ausência permanente,
o coração em aporia
resolveu-me o problema.

No fim das contas
é bastante simples,
não me agradam
os livros sem graça.

Anápolis, 1º de junho de 2018.

Como poderei


Como poderei deixar a poesia
e me voltar para textos sem sentido
dizendo coisas que não quero dizer?

Não posso, não consigo abandonar a arte
- uma menina dança num vídeo -
por essas coisas tão importantes da vida
como o trabalho incessante dos dias.

A música da minha juventude
pulsa no coração, pulsa como antes,
e sempre volto.

A vida chama, obriga, bate,
a gente vai, lava um pouco da louça,
fica na reunião até o final,
discute, reforma, prepara,
corre no mercado comprar o esquecimento.

Enquanto isso passa rápido
na cabeça coração devaneio
estão as velhas canções
o quadro lindo da exposição
os versos tocantes do amigo
o céu azul no parque
(com toalha e pique nique)
o balé da década passada
a peça durante a greve
o Elvis dançando na rua
o show que vimos juntos
a oração solitária e de mãos dadas.

Parece pouco, talvez,
mas é tudo.

Anápolis, 1º de junho de 2018.