segunda-feira, 18 de abril de 2011

Devagar ou a vida nova que escolhi.


Para Goiás

Devagar como as águas do riacho
a vida vai seguindo
até a próxima curva
a seca de todos os anos
e a ressurreição.

Escuto os sons
um por um
no escuro, à noite
sob o luar sorriso
um por um
devagar.

É verdade
tudo aqui demora mais
onde estão os lugares
os óculos não chegaram no prazo
o médico não veio hoje
os amigos
ainda estão escondidos.

Devagar espero
a vida adiante
a festa, o festival
ando no mato
banho no rio
sob o sol.

Caminho à noite pela cidade
de história e escravos
a tradição e a família
os outros como eu
fugindo e procurando.

A vida não acaba aqui
ela começa outra vez
até onde a gente não sabe
antes de fazer a curva
o rio pode secar.

É pequeno o labirinto
das ruas de pedra
as grandes árvores dos quintais
cantam ao entardecer.

Devagar
e só às vezes
as palavras vão
brotando dentro em mim
como da primeira vez
e a vida vai
e o tempo passa
em toda parte
parece igual
mas aqui parece
um pouco mais
devagar.

Cidade de Goiás, 17 de abril de 2011.



O carro ou a vida que deixei para trás


Para São Paulo

Dentro é minha casa
minha vida e o que sou
as conquistas para todos verem
no brilho e na potência
tração 4 por 4
um tanque de guerra
andando pela cidade.
A buzina é minha música
o ronco do motor
que maravilha!
saiam da frente
deixem passar
os 300 cavalos
é meu direito
tenho pressa
tenho medo
tenho tudo
em meu blindado exclusivo.

Vale mais que a vida.

Trabalho como um louco
junto tudo
não tenho casa
não tenho mais nada
por todo o sacrifício
eu mereço
esse luxo que mata
devagar
intoxicando
rápido
num acidente.

Acidente?

Quero ir rápido
quero chegar logo
antes de todos,
mas todos querem
chegar como eu
rápido
mais rápido
todos todos
velocidade máxima
10 km/h na cidade
no meu território
de todos os dias.

Respiro fundo
tusso, escarro
piso fundo
paguei caro
eu mereço
mereço essa vida
esse mundo
andando devagar
rodando rodando
cada vez pior.

Cidade de Goiás, 17 de abril de 2011.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Um poema para os meus amigos ateus torcerem o nariz


A história do mundo quica em
minha cabeça
e então eu penso:
será possível ter uma conversa amistosa
com um comunista ranzinza?
E se eu falar de Deus e das questões existenciais
que me perturbam e me resolvem
viro automaticamente um conservador?

Mas é que essas outras respostas
sofríveis e tão chatas
de evolução-ciência-e-sei-lá-o-que-mais
parece que suprimem do mundo
de uma só vez
todas as gargalhadas de alegria.
E a objetividade tão séria
é tão verdadeira e sem paradoxos
que – tenho quase certeza
parece mentira.

Mas como a gente faz pra explicar
tudo de uma vez?
Precisamos respostas, afinal, e o sorveteiro
da rua não vai me decifrar
o sentido da vida por 50 centavos
num sorvete de cajá.
Mas é gostoso num dia de calor
banhar no rio e pular como criança.

(O rio e a criança são recorrentes em meus poemas, eu sei)

Só que se eu for inocente serei enganado.
E então?

E então podem dizer o que quiserem
quem sabe não digam nem pensem
nada sobre isso
e minha vida lhes seja de todo
indiferente.
Mas se não for e vocês pensarem
considerem só um momentinho
– eu quero um mundo justo também –
considerem a possibilidade
pequena e absurda
de Deus estar lá
sorrindo conosco
quando a gente vive
e desfruta a vida
e se alegra
como crianças inocentes.

Não sei de tudo
a beleza de existir
e o sol, o rio, os pássaros
e a alegria de vez em quando
ah, tem algo escondido ali
uma sombra, um caçador
o nome que for
é mais do que podemos ver.

Goiás, 4 de abril de 2011.

sábado, 2 de abril de 2011

Os insuportáveis


Você pode não gostar de alguém
achá-la uma pessoa insuportável
mas quando ela morre
subitamente
então você gosta.

Ela mentia e cometia pequenas traições
você observava
e achava aquilo tudo
desprezível
mas num golpe da vida
tudo está perdoado.

Você odiava aqueles cacoetes
sentia asco daquela afetação
em seu rancor
queria vê-la desaparecer
mas não era para tanto.

Ela morreu
de forma inesperada
e você se deu conta
era só uma pessoa
como tantas outras
andando por aí
vivendo a vida
fazendo o melhor que pode.

Goiás, 25 de março de 2011.