terça-feira, 24 de março de 2009

O fã

ou Impressões sobre um show extraordinário


Ele espera o ano inteiro
espera dez anos,
vinte, trinta,
para ver o show,
fica o tempo todo
esperando a sua música preferida,
paciente, quase estóico,
até chegar o grande momento
e começa aquele timbre da guitarra
aquela linha de baixo,
então o fã, extasiado,
grita,
grita como um louco,
grita a plenos pulmões,
grita, grita, grita a música inteira
e não escuta nada.

Ele gosta muito da música
gosta das mensagens
de paz, respeito, amor,
pensa deveria haver
mais artistas assim,
o mundo seria melhor.
Veja, que mensagem bonita
diz para um amigo,
então chega o show
e ele quer ver seus ídolos
bem de pertinho
grudado na grade
quer a palheta da guitarra,
quer a baba do microfone,
quer entrar em êxtase,
e deslumbrado
empurra, pisa, chuta
pra escutar a música
que não entendeu.

O fã não consegue ver
que ali no palco
estão pessoas
como ele,
não entende
a simplicidade disso.
Ele só enxerga sua ideia
sua criação extraordinária
não vê nada nem ninguém.
O fã não vê, não escuta,
está imerso num delírio atroz
e quer engolir o ídolo,
descontrolado,
perde a humanidade
em troca de uma ideia absurda
que ele mesmo inventou
uma mentira que comprou
e acha que o fará feliz,
como se a felicidade fosse assim,
um instante, uma música,
um eu maior que o mundo.

Não resta nada,
nem mesmo a preocupação estética
da poesia.

O fã é mesmo um imbecil.

Campinas, 24 de março de 2009.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Lá dentro

Lá dentro da minha alma
há um silêncio profundo
uma palavra inquieta
sem transtorno e sem rancor.

Lá dentro de minha alma
há monstros, alucinações
palavras escondidas
suspiros ofegantes.

Lá dentro da minha alma
eu escuto o silêncio
escuto a natureza cantando
o vento que sussurra
e vai onde não sei.

De onde ele vem não sei
mas se me leva
eu escuto
e vou em paz.

Campinas, 25 de fevereiro de 2009.