quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O quarto e a alma

Essa cama desarrumada no quarto
é reflexo de um desajuste na vida
explicam os grandiosos mestres
os curadores de almas alemães.
Eu fico sem entender
mas vou arrumar a cama
e quem sabe a vida não se ajeita.

Campinas, 13 de outubro de 2009.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Não há homem que não seja conflito

1.


Não há homem que não seja conflito. Toda filosofia parte senão disso. Quando Thomas, parado em frente a sua janela, pensava em Thereza, isso é nada. É conflito. Estremecemos e escrevemos por isso e essa vida dentro de nós empurra inevitavelmente para um fim. Em sua loucura Nietzsche gritava aos prantos para as paredes e pensava em sua mãe, no seu tempo de criança, numa casa sem nenhuma parede, sem teto nem chão.

Platão buscou a sabedoria nos outros, e aqui chegamos numa outra questão inevitável. O outro. Os poetas, os sábios e os idiotas. Sempre. Sempre buscamos outro. Sempre. A repetição é inevitável.

O Conflito e o Outro. Eis em duas palavras a essência humana. É o homem dissecado que surge entre nós e para nós sem nenhuma incompreensão. Não é arrogância dizer que a essência humana foi desvendada. Não, se for verdadeira a elucubração. Até mesmo o Cristo afirmou sobre si mesmo que era humilde, e isso só não seria orgulho se fosse verdade.

A investigação sobre mim e sobre a humanidade escapa da arrogância por dois motivos. O arrogante em geral se debruça sobre si mesmo e não vê nada além de sua própria imagem no espelho. O ser humano é arrogante em seu conjunto. De certa maneira isso não é ruim, pois o leva a compreender a si mesmo e, por conseqüência, o outro. Por outro lado quando o arrogante é um e só, ele será um arrogante individual e estará totalmente impossibilitado de alcançar o outro. Esse é o paradoxo da arrogância. E do paradoxo da arrogância surge o conflito.

Aqui pareço cair em contradição, mas essa é também uma falsa contradição. Se a busca do outro, feita de qualquer forma, constitui a essência humana, como pode o arrogante se debruçar somente sobre si mesmo? Não significa que o outro não existe. Seu outro é ele mesmo, mas no espelho. O arrogante não passa então de um observador de reflexos. E é o mais confuso dos homens, pois observando os reflexos, quando muito, pensa que olha somente para si, mas nunca se dá conta que está buscando desesperadamente os outros, e que isso lhe é vedado por sua própria arrogância. O arrogante nunca desvenda completamente a sua própria arrogância. Tem uma necessidade absurda de que outros lhe tirem o véu. Nem dessa necessidade se dá conta, e se ela for posta bem em frente à sua face, a rejeitará como a mais desprezível das idéias.

O segundo motivo é que a investigação não responde absolutamente nada. Apenas detecta. Se houvesse chegado a uma resposta aí sim seria arrogante. Mas não, tudo leva ao conflito. É só passar por si mesmo e passar os olhos pelo mundo, com leveza, que o conflito lança pesos. O homem que não busca o conhecimento esquece o que já aprendeu. O impulso de toda busca é o conflito. O término do conflito significa um fim sem retorno, o fim completo de si.



2.


Somos todos marionetes de um Deus fora do mundo. Ele dirige nossas ações e, indo além, quando criou todo o universo num estalo, instantaneamente determinou cada ação humana. Determinou também quando cada folha ia cair e quando cada pessoa ia morrer. Tudo o que fazemos no mundo não faz a menor diferença. Tudo o que queríamos, fazer diferença, é simplesmente impossível. Estou escrevendo. Quero deixar minha marca, esperando que alguém leia estas palavras, que alguém goste e lembre de mim. Um elogio. Mas, não, o que eu escrevo já foi determinado naquele estalo inicial, e mesmo quem vai gostar ou não do que escrevo, quem lerá, quais palavras serão escritas e em que lugar, já foi previsto com uma minúcia consciente por algum motivo que desconheço. E o meu desconhecimento, a impossível transcendência dele, as tentativas, tudo é menos interessante que um lançar de dados. Interrompo-me. Abandono a caneta, o papel. Abandono a mim mesmo, enraivecido. As minhas surpresas são obviedades cósmicas. O papel em branco, a pausa e o retorno já estavam também determinados. A minha tentativa de pensar nisso não passa de uma tolice infinita e recursiva.

Mas e se eu mudasse o rumo das coisas e parasse de pensar nisso. Se eu passasse a dizer que, na verdade, tudo é um grande acaso. O homem e a mulher, feitos um para o outro, aquela amizade perfeita, o suco de pêra dietético, que era melhor que o normal, acaso. Cada encontro é uma série interminável de acasos que só têm sentido porque nós inventamos, para a vida ficar mais bonita. Não. Simplesmente acaso. Calvino, que determinou essa história determinista toda, pensou nisso porque, porque pensou. E tudo se resume em um grande nada. Um aglomerado de seres perambulando nessa terra, reproduzindo-se, agoniados e inconformados que tudo isso - tudo isso já é um sinal de angústia, uma valoração - não tenha sentido. Mesmo a invenção de sentido é ocasional e aleatória. Perambulamos.



3.


Enquanto ele andava era como se o mundo se desfizesse atrás de si e nada mais restasse senão gotas de chuva que deslizavam em meio ao nada, seguindo pistas incoerentes do sentido de seu caminhar. Todas as tolices do mundo desabavam a cada passo. E a cada passo surgia um novo mundo, adiante. O mundo velho eram lágrimas avulsas de angústia, flores que morriam sob nenhuma vista.

Se não existisse o esquecimento seríamos todos reféns dos lírios, lírios brancos de morte e de paixão. Nossa vida são saudades. Se não esquecêssemos, que mundo surgiria adiante? Um mundo de repetições e angústias, e anseios conhecidos. Queremos tanto lembrar, e ao lembrarmos explodimos todos.

No entanto ele caminhava sereno por suas veredas como se seus passos não engolissem o universo, e seu pisar não nos levasse todos ao fim. Passos leves que deixavam profundas marcas, esquecidas numa multidão de devaneios. Pensamentos bons enquanto sussurrava ao ouvido de um cão. Palavras cândidas de pensamentos inocentes.

Pelos campos e caminhos coloridos os cães o seguiam. E as pessoas ficavam para trás, estáticas e desiludidas com suas memórias, desamparadas pelo futuro, chorando a inexistência própria de um caminhar desconhecido.

Sem sentido ele flutuava por sobre as cidades, sobre as cabeças aos milhares. Todos se recusavam a caminhar, já que o caminho era por demais extenso e pesaroso. Com desprezo olhavam o homem que caminhava em sua trilha nova e destrutiva. Não era inveja, nem raiva, nem rancor. Era apenas um não saber, e um desejo desesperado de que parasse. Não lamentavam o fim da própria existência, nem lamentavam o estar parados. Mas carcomiam-se de angústia porque, enquanto isso, ele andava, falava com cachorros e sorria para o céu.

As estrelas uivaram em uníssono, os cachorros borbulharam eternos. O homem seguiu até que não havia mais mundo por onde andar. Estancou seus delírios suaves, afagando os próprios cabelos, como se de uma amada inexistente. Sentou-se sob o nada e pôs-se a pensar. O mundo adiante era imaginário. Imaginou, então, e essa foi sua história, sua vida, seu caminho.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Palavras noturnas

A Noite engole as palavras

e desperta silêncios

há tempos inconcluso

em certos HOMENS

passeando, estes, pela vida

observando ATÔNITOS

i-mo-bi-li-za-dos

pela normalidade

dos tempos modernos

de uma F E L I C I D A D E

obrigatória, sombria e


solitária


morrendo aos poucos

por uma dor insensível

enquanto buscam

a todo CU$TO

e trabalhando sem cessar

uma PAZ inalcançável

neste estado das coisas.


No silêncio inconcluso da Noite

liberto as palavras

acuavam-me o sono

como a tantos outros

oprimidos pela normalidade,

F E L I C I D A D E atroz,

perseguidoras das almas


solitárias


na Noite que engole as palavras

para libertá-las do sono

da insensatez.

Sangue

Uma faca fincada no coração
fundo, espirra sangue,
e vou andando.
No peito a dor de sempre,
do dia a dia, de ser quem não sou.
Na superficialidade de minha alma
espero uma canção tardia
romântica e antiquada
de meu peito dolorido
cego, cego de ternura
de sofreguidão.

Caminho, espirrando sangue,
tinta, pensando em ser tão bom
e fingindo sem querer,
que a espera se revolve em solidão,
quieta e cáustica
no peito profundo
sem romance.

Evoco uma revolta
Romântica!
A causa são males
desse nosso mundo doentio.
Mas em aspereza, sem tanta dor,
sem aquelas ilusões
que a gente esfrega na cara
e se esquece do lirismo.

Essa faca fincada no peito
sou eu mesmo contra mim,
contra o mundo perdido,
indisposto, querendo comprar
o romantismo, a profundidade,
vendendo catchup sabor sangue
pra cada um sentir o gosto.

Do coração espirra o sangue das pessoas
e eu queria tirar essa faca maldita
mas sem ela
não sei mais andar.


(31.07.2007)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Portas fechadas

Como se atravessasse portas fechadas
e paredes de ferro e lugares escondidos
o antigo deus Mamom
entra na vida de todos
sem dó nem piedade
procurando um caminho
para fazer mais de si mesmo.

Num dia azul de crianças
ele traz a escravidão e a guerra.
Em prédios altos reluzentes
pessoas bonitas e brancas sorriem.

Cresce em todo canto do mundo
um medo tão grande
a vida parece uma espera
só isso e nada mais
uma espera ansiosa
pelo alívio – pelo fim.

15.08.2007

Pessoas

Um barulho assombra a cidade,
assola os campos,
ecoa pelo mundo.
É o canto da injustiça
murmurado por pessoas
que morrem, incontáveis,
um dia depois do outro.

Geraldo W. Jr.
15.08.2007

Olvidar

Hay tanto de lo que me he olvidado
que ni me doy cuenta
lo que he perdido.
De verdad no sé
si fue mucho
o si fue poco
porque el olvido
siempre es un vacío
lleno de tantas cosas,
tantos amores, hijos y padres,
de crímenes antiguos,
muerte y maldición,
y sin él ya no vivimos.
Es que hay, dentro de nosotros,
una inmensa necesidad
de esconder algunas cosas.
Pero aun existe
un otro algo no se qué,
un olvidar que es una nada
y me vuelve loco
porque me confunde
ya que no me acuerdo
lo que hice
o lo que debería hacer.
Me olvido de tantas cosas
pero nunca me olvido de lo esencial
que es la vida,
lo bello de la vida,
es simplemente vivir.

De este modo
el olvido nos sostiene a todos,
nos permite vivir,
nos vuelve locos y,
como en una risa de contradicción,
nos hace percibir
lo importante de la vida.

12.03.2007

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Onde está Deus

Perguntei com raiva
onde estava Deus no mundo
porque não consigo vê-lo na tragédia,
na tempestade, na morte,
e de repente lembrei
da resposta de Tolstoi
Onde existe amor
Deus aí está.
Pensei comigo
nas pequenas demonstrações de amor
está Deus
e me pareceu tão pouco
e ao mesmo tempo
tão grande,
forte e significativo
que não pude rejeitar.

Campinas, 9 de maio de 2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Delírio noturno

O sono sorve minhas palavras
como se Deus dissesse
no silêncio, soprando suave,
dorme, criança, dorme
tu nada compreendes
e essa busca
por palavras
por respostas
não tem mesmo fim.
Então dorme
porque ficar desperto
na solidão da escura noite
cansa corpo e alma,
mas às vezes vem um sopro
que afaga o espírito.

28.08.2007

Injustiça

Às vezes, como fantasmas,
eu vejo imagens
passando pelo meu corpo.
Isto não está certo:
são tantas esperanças
e somente uma certeza.

15.08.2007

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Ausência

para minha mãe


Eu já senti a dor da morte
passar pelo corpo,
explodir no coração,
na culpa, na ausência.

Quanta tristeza e lágrimas
sem volta nem explicação.

Uma imagem desliza
por minha mente
numa tarde morna
e me sorri suave.

É sempre o silêncio
a distância
cada vez maior
de uma vida que se dilui
em imagens, vestidos e fotografias,
roupas e cabelos esquisitos
mas que dizem tanto
porque o tempo
a tudo silencia
e não nos deixa voltar.

15.08.2007

Elegia do sono

Febril, débil, solitário,
(Faz um silêncio crepuscular
que se perde na noite,
escura, claro)
espera um encontro sedutor,
cala-se, espera,
tranqüilo, cheio de certeza.
Revolve os cantos da memória,
vasculha o tempo
como se varresse a grama do quintal.
Está sentado, ou deitado, tanto faz,
enquanto vê um mover
que é cataclísmico e inseguro,
um farfalhar de vozes
vazias e isoladas,
alheias ao tempo,
amarelas, farelentas,
disformes.
No vagar arrastado da mente
os pensamentos passam devagar.
Ao mesmo tempo
os passos da calçada
pisam rápido e cinza
seguros, intranqüilos
e sem direção.
No respirar profundo
sente a vida inteira
com cores de arco-íris,
e o resfolegar sôfrego da multidão
vê uma fuligem tomar conta do mundo.
Olhos fechados de propósito
compreendem tudo,
sem esforço, azuis,
e os olhares confusos,
presos a objetos, objetivos,
raciocinam sem parar
num ir e vir
que é na verdade
um eterno retorno
ao nada.
Então esquece, sereno,
tudo que não vale a pena
e adormece pela última vez.

09.08.2007

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Incompreensível

É que, sabe,
essas coisas
de olho, boca
e sentimento
são um pouco
incompreensíveis,
então paro
e fico olhando
imóvel
para o céu azul.

Campinas, 3 de abril de 2009.

terça-feira, 24 de março de 2009

O fã

ou Impressões sobre um show extraordinário


Ele espera o ano inteiro
espera dez anos,
vinte, trinta,
para ver o show,
fica o tempo todo
esperando a sua música preferida,
paciente, quase estóico,
até chegar o grande momento
e começa aquele timbre da guitarra
aquela linha de baixo,
então o fã, extasiado,
grita,
grita como um louco,
grita a plenos pulmões,
grita, grita, grita a música inteira
e não escuta nada.

Ele gosta muito da música
gosta das mensagens
de paz, respeito, amor,
pensa deveria haver
mais artistas assim,
o mundo seria melhor.
Veja, que mensagem bonita
diz para um amigo,
então chega o show
e ele quer ver seus ídolos
bem de pertinho
grudado na grade
quer a palheta da guitarra,
quer a baba do microfone,
quer entrar em êxtase,
e deslumbrado
empurra, pisa, chuta
pra escutar a música
que não entendeu.

O fã não consegue ver
que ali no palco
estão pessoas
como ele,
não entende
a simplicidade disso.
Ele só enxerga sua ideia
sua criação extraordinária
não vê nada nem ninguém.
O fã não vê, não escuta,
está imerso num delírio atroz
e quer engolir o ídolo,
descontrolado,
perde a humanidade
em troca de uma ideia absurda
que ele mesmo inventou
uma mentira que comprou
e acha que o fará feliz,
como se a felicidade fosse assim,
um instante, uma música,
um eu maior que o mundo.

Não resta nada,
nem mesmo a preocupação estética
da poesia.

O fã é mesmo um imbecil.

Campinas, 24 de março de 2009.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Lá dentro

Lá dentro da minha alma
há um silêncio profundo
uma palavra inquieta
sem transtorno e sem rancor.

Lá dentro de minha alma
há monstros, alucinações
palavras escondidas
suspiros ofegantes.

Lá dentro da minha alma
eu escuto o silêncio
escuto a natureza cantando
o vento que sussurra
e vai onde não sei.

De onde ele vem não sei
mas se me leva
eu escuto
e vou em paz.

Campinas, 25 de fevereiro de 2009.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Eu

Eu era um homem andando pela estrada.
Eu era Bob Dylan zanzando por New Orleans.
Eu era um pássaro voando na Primavera.
Eu era a folha caída no Outono.

Eu, que nunca fui mágico e não estive em Paris,
cheio de sentimentos, nem sozinho nem acompanhado
cantei pela rua o amor que não senti.

Eu era um poeta trágico na Grécia antiga,
conversei com William Blake
e com Tolstói sobre a liberdade
morei nos bosques com Thoreau
fiquei sozinho no sábado à noite
imaginando a vida.

Eu era a flor seca dentro de um livro
cheirando a palavras de igualdade
como se o mundo fosse de verdade.

Eu era a voz suave de Joan Baez
cantando doce para o Sr. Galahad
e a psicodelia sem LSD.

Eu vi vênus no céu brilhando azul
ao lado da lua crescente,
eu era um sorriso logo de manhã
no alto da cordilheira nevada,
um condor planando solitário,
eu era o vento.

Eu era tudo e nada,
a luz da manhã que afasta o medo,
eu era a justiça vencendo no fim
como se o mundo fosse de verdade.

Eu era um incógnito escutando
um sermão importante
aos pés de Deus.

Eu era Gandhi
esperando
e agindo na hora certa.

Eu era Luther King
gritando sobre a igualdade
com um tiro no coração.

Eu, que escrevo essas palavras,
sou só mais um observador
cheio de esperanças infinitas
como as borboletas voando
milhares de quilômetros improváveis,
me vejo refletido no espelho
com o resto da humanidade.

Campinas, 28 de fevereiro de 2009.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Areia

Eles pareciam crianças
brincando nas ondas do mar
e eu desejava somente
que ficasse tudo bem.

Toda aquela tensão
permanente
me fazia sofrer
desejava
somente não estar ali.

Desejava a solidão
mas ali na beira do mar
a chuva chegando
um sol fraco
me iluminou os olhos
eu vi de longe um sorriso
e quase sem querer
fraquinho
apareceu em mim
um fio tênue
de esperança.

Imbassaí, 10 de janeiro de 2009.

Aniversário da Revolução Cubana

ou

Sobre quando os celulares significam liberdade


Em dois dias faz aniversário
a famosa revolução.
Do alto da Serra
os camponeses desciam para lutar
os velhos aprendiam a ler.
Sangue terra liberdade!

Agora os celulares chegam à ilha
e outras mudanças que alegram
a comunidade internacional.

-- Sabe que em Cuba
eles têm educação e saúde
mas o resto não.
-- E nós aqui temos todo o resto
menos educação e saúde.

Salvador, 30 de dezembro de 2008.

Quando a chuva cai

É uma escrita raivosa
(ou pode ser feliz)
como quando a chuva cai
e você pensa em Deus
se pergunta os porquês
já sabe sem resposta
pergunta assim mesmo
porque é um grito
não consegue segurar
mas só gritos, não!
quero cantar também
como quando você sai
e encontra por aí
desesperançado
uma bondade no escuro
um sorriso no vazio
como quando a chuva cai
e depois quando bate o sol
e você pensa em Deus
e no mundo e na vida e na chuva
e nos porquês
e mesmo assim
a vida segue
em derrocada triunfo
resistência dor
e esperança
de quando bate o sol.

Campinas, dezembro de 2008.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Poema da estrada para um amigo distante

Para Daniel



A mineirice do mineiro
a baianice do baiano
vão grudando na memória
como o pó da estrada.
Vamos seguindo adiante
entre falastrões e canalhas
solidários e amistosos,
vão passando
os carros os caminhões os ônibus
da gente que vai e vem.
É Natal! É Natal!
Lembramos sempre
em cada posto
em cada buraco do caminho
que somos assim
mas não como Daniel Wegman,
vamos longe
mas nem tanto,
e no caminho
a cada passo
a cada curva da estrada
pensamos nos queridos
nos iguais
e lembramos, amigo,
dos bons momentos
com saudade e admiração
e vamos rolando como pedras
voando como um bem-te-vi
tomando mais um copo de café
num novo século de impostores
e tiramos de repente as máscaras
e você sabe quem nós somos
e nós sabemos quem é você.
O que queremos, amigo,
com o coração junto ao seu,
é que o seu caminho distante,
distante de nós,
seja como o nosso
apesar de tudo
um caminho bom.

Itaberaba, 24 de dezembro de 2008.