terça-feira, 14 de setembro de 2010

Domingo na igreja

Uma lembrança da infância

Eram duas fileiras de bancos
e um corredor central
levando direto ao púlpito
diante dele a mesa
onde estava escrito
"Em memória de mim".

Pelo corredor central
entrava e saía o pastor
para pregar e cumprimentar
os membros depois do culto
entravam os noivos
e saíam casais
corriam as crianças indiscretas
e paravam as pessoas
depois do pastor ou dos noivos
para conversar.

Naquele dia o pastor entrou
pelo corredor central
contornou a mesa
subiu ao púlpito
tudo com sempre
mas algo estranho
estava no ar e nos olhos
na percepção das crianças.

Era dia de ceia
uma vez por mês
as crianças sentadas
os adultos de pé
para receber
o quadradinho de pão
o copinho de vinho.

Antes as palavras da escritura

Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha. Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma deste pão e beba deste cálice. Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor. Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem. Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.

Então conclamou com coragem
se alguém tiver algo contra seu irmão
é o momento de se levantar
ir até ele e fazer as pazes.

Expectativas.
Olhares.

Eu não sabia de nada
algo estava no ar
e nós crianças
esperamos para ver
reconciliação.

Esperamos.

Naquele dia
ninguém se levantou.

Campinas, 17 de agosto de 2010.

Cicatriz boliviana

Tenho uma cicatriz boliviana
de quando vivi em Santa Cruz de la Sierra
no bairro El Matadero
caminho para o santuário
da virgem de Cotoca.

Trabalho de operário
ajudava a contruir
móveis para hospitais.

Hoje reparo nos detalhes
das camas de metal
pintadas de branco
nas aparas das soldas
nas pontinhas dos cantos
e penso que mal feito
lá na Bolívia não era assim.

Minha cicatriz boliviana
está sempre comigo
não me dói nada
ao contrário das lembranças
cutucando na cabeça
quando menos se espera.

Campinas, 14 de setembro de 2010.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

As maritacas de Goiás

Hoje acordei pela manhã
ouvindo os sons conhecidos
o canto dos mesmos pássaros
incansáveis todos os dias.

Mas havia uma força diferente
um grito louco e esganiçado
me chamando chamando.

Então percebi!
abri a janela
olhei bem
ouvi de novo o grito
eram elas
vieram me visitar.

Quis fotografar
corri, máquina em punho,
foco, zoom
mas voaram
e foram gritando
me chamando chamando

As maritacas
me chamando
pra Goiás.

Campinas, 30 de agosto de 2010.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Olhando para o processo

Certa manhã
despertei de sonhos atribulados.
Saí de casa,
o sol da manhã me beijou,
senti o vento fresco na face.

Fiquei feliz por um instante.

E depois,
rotina.
E a vida, ah! a vida
continuou
exatamente igual.

Campinas, 17 de novembro de 2009.

sábado, 17 de julho de 2010

Momentos de eternidade

As palavras que me ferem
sinto-as tão profundamente
como se fossem um enorme sino
soando regular, um marca-passo,
engolindo todos os outros sons
e impregnando tudo o que faço.

As palavras de amor
me são tão necessárias
quanto a morte súbita
a alguém que já não aguenta mais.

Preciso tanto do esquecimento
para não ter o ruído surdo do rancor
devorando minha alma
como uma enorme sombra
a esconder o sol
numa manhã de Primavera.

Preciso tanto da memória
para sentir o sabor doce
das palavras de compaixão
e lembrar-me quem sou.

Não posso ouvir
todos os dias
os mesmos ruídos,
ver as mesmas imagens
ou seguir os mesmos caminhos.

Apenas sinto
- implacável -
o tempo passando, passando,
da vida que se esvai,
do que não volta,
da incerteza do porvir.

As palavras são marcas
como cicatrizes
de mim e do tempo,
uma tentativa
cheia de angústia e esperança
de dizer algo para alguém
além de mim.

A marca de que fujo
é a marca que preciso.

E então
aqui estou.
Já é quase fim de noite
e amanhã a vida rotineira me aguarda,
mas hoje ensaio
momentos de eternidade.

Campinas, 18 de abril de 2010.

Homenaje a Mercedes Sosa

Ya se fue la voz pulsante de América,
se fue la gran mujer
que cantó la vida
de nosotros todos,
el alma argentina
de la resistencia
belleza incomparable.

Los hermanos argentinos
hoy están tristes
como solamente ellos
saben hacer.

La mujer cantante
era la tristeza-alegría,
la sonrisa y las lágrimas,
la fuga y el que se queda
y muere
por el pueblo,
por la patria,
muere cantando.

Llora Argentina
Llora América Latina
Llora el mundo
y toda la gente
llora y para la vida por un minuto
por un día, por un mes,
por la vida,
recordaremos siempre.

Se fue la gran voz de América.

Geraldo Witeze Jr.
Campinas, 4 de outubro de 2009.