sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Lembranças de Macaé

Era um dia desses, cinza
chuva com pedacinhos de petróleo
vindos do fundo do mar
em plataforma flutuantes.

Era uma dia assim, sujo,
de sarjetas empoçadas
fuligem terra água-suja
carros passando e sinais fechados.

Era um dia de viagem
entre-caminhos procurando
desencontrando pessoas
mal-humoradas da vida.

Era um dia um pouco torto
descolorido em preto e branco
apenas isso e o mar azul distante
bem ali, ao lado da rodoviária chuvosa.

Era uma noite plena
de ruídos desconhecidos
o sono incompleto
em roncos duplicados.

Foi assim, um diazinho
desses em que dá tudo errado
e chuva cai devagarinho
e a sujeira da cidade
se acumula nas ruas
e a pousada barata
é uma caverna melhorada
e as pessoas te destratam
e as informações são engano
e a família te despede, hostil,
e você parte então
em busca de um lugar melhor.
 
 Goiás, 29 de novembro de 2013.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Segredo


Descobri um segredo antigo
num livrinho velho e gasto,
li e reli muitas vezes
como uma luz acesa no escuro.

O medo é aqui dentro
a solidão da vida
a angústia de não compartilhar
é alguém do nosso lado
e a gente não conversa.

Como é difícil abrir o coração!
Esses olhos que me olham
me olharão quando eu falar de mim?

Precisamos uns dos outros
de amizade verdadeira
de ouvidos abertos
e mãos que nos toquem
e braços que envolvam.

Coragem, nos dizem alguns, coragem!

Vamos todos à luta, está bem! Vamos!

No entanto
o que afasta mesmo o medo
é o amor.

Goiás, 31 de julho de 2013.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

As mãozinhas pequenas


Vendo vídeos antigos
pessoas roupas corpos
rolavam soltos os anos 80.

Super 8 digital
não me interessa muita gente
procuro meu pai e minha mãe.

As mulheres com roupas de cintura alta
os homens de bigode e óculos ray-ban
não sei os nomes, não quero saber.

Quero meu pai filmando amador
quero minha mãe entretendo os convidados
sorrindo para câmera.

Quero sentir as ondas de Itapuã
batendo no corpo sob o sol
as pernas ainda fracas
de quem aprende a caminhar.

Quero minhã mãe de maiô
me segurando pelos braços
contra o mar inclemente.

Quero meu pai me levando na canguta
e as minhas irmãs, um de cada vez,
e rodando pelos ares seguro por braço e perna.

Eu era então um avião que ia longe
era um desbravador dos mares infantil
uma criança que rompeu as trompas ligadas.

Não há planejamento estratégico da vida
ela vai, vem e muda o rumo
como as ondinhas na beira da praia.

Eu era uma criança
e ainda sou
procurando, as mãozinhas pequenas,
onde segurar pra não cair.

Goiás, 15 de julho de 2013.

domingo, 30 de junho de 2013

Isso é tudo



Minha mãe não viu
quando virei historiador
nem a viagem pela América
de mochila nas costas
em caronas sem rumo.

Foi ali que eu virei gente
ela não viu.

Minha mãe teria medo
e se preocuparia
e diria que não
e sofreria as angústias de mãe
nessas horas quando o filho
sai pro mundo sem rumo
pra fazer o que se deve.

Meu pai com orgulho
chamava de périplo.
Não me consta que tenha tido medo.

Trouxe-lhe uma máscara inca
pesou na mochila-casa desde a Bolívia.

Minha mãe não viu
quando me tornei professor
quando me tornei mestre
e escrevi na tese
uma linhazinha para ela.

Não, ela não leu.

Minha mãe não me viu
virar motociclista
não conheceu minha mulher
largar tudo e vir pra Goiás
tomar banho de rio
o casamento
planejado em uma semana.

Não viu.

Meu pai, ele viu.

Veio a Goiás visitar
passeamos juntos
comemos a comida boa
feita em casa
vegetariana.
Não sentiu falta da carne aqui.
Mas quis chuveiro elétrico
e me fez comprar.
Deu de presente uma chaleira
nós nunca usamos.

Salvador 2009,
de carona com Cássio
depois da Chapada
chegamos em Pituaçu
na casa-castelo
só uma noite
o velho aparelho de som,
ele disse, ficaria comigo.
Foi bonito, Cássio contou,
deve lembrar melhor da imagem
eu lembro das palavras.
Era um querer sem vontade
a herança...

Em 2012, Salvador – Goiás
mandou-me o som
como se dissesse
estou indo, estou indo,
aí está, cuide bem, divirta-se
que eu já vou.
E eu, não usei direito
como não querendo
pensando no sentido
no adeus.

E foi assim mesmo
em cada passo, cada coisa
com o cuidado meticuloso
de etiquetar as caixas
disse adeus pra cada um
e apagou-se a luz
de uma só vez.

De manhã a ligação falhou
mas ouvi bem a sua voz
e não havia nada errado.

Fizemos todos o melhor possível
e não há culpa nem rancor
é só a lágrima que escorre
em cada foto
em palavras de bilhetinhos
na ligação que não chega mais
no “sim” ao telefone
no orgulho expressado
no respeito à diferença
na serenidade do amor.

Meu pai não me viu comprar um fusca.
Será que ele diria para comprar um mais moderno?
Sentiria orgulho?
Pensaria bobagens?

Meu pai não vai ver meus filhos
não vai ver quando eu for doutor
não vai ver a construção da casa
o futuro que eu nem sei.

Não posso mais pedir seu conselhos, pai,
ouvir a sua voz calma de experiência
mesmo quando dizia não.

Você incomodava às vezes, pai,
e eu também te irritava, eu sei...

Há tanto de incompleto na vida
e é só o tempo passando.

Meu pai não viu a explosão popular
essa mesma de agora sem partido
de qualquer um na rua,
saberia dela pelo Facebook
emitiria opiniões, talvez,
não posso brigar com ele
defendendo os arruaceiros
que ele não viu na TV.

Foi bom isso
para todos é claro.

Aqui em mim
despertou-me do torpor
como se me fizesse ouvir
um conselho simples
deixado num bilhetinho
que guardo com carinho:

“Seja feliz ao teu modo
e viva a vida da melhor
forma possível”

E isso é tudo
o que tenho agora.

Goiás, 30 de junho de 2013.

terça-feira, 18 de junho de 2013

É a vida, amigo

Eu sou a faca à noite
fogos de artifício sem festa
rasgo furo explodo
em multidão somos assim
fogo na rua
lixeirinhas quebradas
oh, vândalos
é melhor, muito melhor,
que não fazer nada.
Não é metafísica
não é facebook
não é realpolitik
é gente na rua
quer ir vir onde quer
quer tarifa zero, meu amigo,
tarifa zero.
Não entendeu?
Difícil...
Utopia, impossível, irreal.
Jovens sonhadores,
oh, bonito!
Vamos lembrar, meu amigo,
jornada de 44 horas
descanso no domingo
salário mínimo
licença saúde, maternidade
o pai morreu,
uns dias de folga pelo menos,
pra aplacar a dor.
É a vida, amigo, 
a vida impossível
uns tempos atrás.
É tarifa zero sim!
É a copa pra… (ponha o palavrão que quiser aqui)!
Educação, saúde, 
é isso tudo.
Não é só o aumento
mas é o aumento sim!
E muito mais!
Muito mais!
É a vida
pra ser vivida
sofrimento já tem
não precisa mais.
Sobrevivência?
Cacete, sobreviver?
Não!
É a vida
pra ser vivida
é muito mais!

Goiás, 18 de junho de 2013.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A vida quando acaba


Um pote de geleia de cacau
ele me deu um mês atrás
vou comendo com biscoitos
vidro cheio na mão
– na infância ele brigava
se eu ficasse assim –
a geleia vai acabando
e me dói muito
não é o doce
a vida quando acaba
deixa um gosto amargo
que demora pra sair.

Goiás, 10 de junho de 2013

sexta-feira, 15 de março de 2013

Cerrado ainda tem



Revivo um pouco de mim
a cada vez me lembro,
não vejo o antes,
sou eu, ali, acenando
pequeno de cabelos loiros
em Itapuã antes da fama,
o joelho esfolado
na perseguição da irmã
bicicleta, Rua José de Oliveira Franco 1754,
o campinho e o brejo...
terminal de ônibus
na cidade do bom transporte.
E mais ao sul,
em cima do telhado
conversas de crianças crescendo
tentando ver estrelas cadentes,
e São Paulo capital,
correndo pela cidade
maledetti paulisti
no ôco do mundo,
e então Barão sou eu,
bicicleta outra vez
conversar no banco
pisar na terra
até ameaçar o asfalto,
os carros muito grandes,
as caronas ralinhas,
bora de vez,
cerrado ainda tem,
serra, água, mato,
o bico do tucano
todo dia no céu.

Cidade de Goiás, 15 de março de 2013.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Umas histórias


Quanto estava na estrada
andando pela América
descobrindo quem era
– ah, eu me lembro bem
da visão delirante da Patagônia
a chegada em Bariloche
o Nahuel Huapi impossível azul –
escrevi poemas ruins.

Escrevi poemas ruins
porque não sabia o que dizer.

Um hippie nos disse
– esqueci de contar
viajava com um amigo
hoje casou, dois filhos,
vive em Madison, Wisconsin,
conheceu a mulher no Chile,
depois de Bariloche,
de dormir na cordilheira e
um velhinho dizer
pra não fumarmos maconha
na caçamba fechada da sua caminhonete
com banquinhos de madeira adaptados,
vocês não vão entender, eu sei,
mas a gente nem fumava
era só barba, cabelo, sujeira –
mas o cara disse
que não tínhamos roupas
para aguentar o frio do inverno
não lembro se foi em Buenos Aires
ou depois de Algarrobo,
a capital nacional do alho
onde o Che Guevara
arrumou sua motocicleta,
ou da carona com Marisol
que não deu certo
e não chegamos a Choele Choel.

Eu casei, Marisol casou,
uma amiga de Las Grutas
agora vive em São Paulo.

Onde está o professor sulafricano
conversamos lá em Machu Picchu
eu subia sozinho
as picadas para Huayna Picchu
e não sei como
falamos sobre o Apartheid,
o Brasil é a África disfarçada
sem Desmond Tutu.

Onde estão Sandra, Etienne, Lucho?

Está bem, a Sandra está por aí,
nos falamos há alguns anos
e vi umas fotos suas no Facebook.

As amigas suecas
o futebol na Bolívia
– ah, trabalhei
porque o dinheiro acabou.

Karen, a feminista,
nos levou para conhecer Lima
quanto abrigos recebemos
quantos nomes esquecidos
quanta coisa persistente.

Fui ver a América
e encontrei.

Aí é assim
quando a gente
não sabe o que dizer
conta umas histórias
e vive a vida
o melhor que pode.

Goiás, 15 de fevereiro de 2013.

Caminhando

É como quando você se lembra
e vê a vida indo assim
passando como sempre
um filme na madrugada
solidão na quinta à noite
serei Cristo crucificado
ou Jesus com as crianças.

Meu pai tentava me ensinar a jogar bola
eu criança no parque Barigui
queria andar de rolemã
tinha medo do skate
achava patins coisa de playboy.

Sempre passo a mão nas folhas
quando vou banhar nos rios
lixeira, aveludadas, duras
aguentam todas o sol.

Às vezes de manhã
faço uma oração,
às vezes choro sozinho
e ninguém sabe,
o futebol me cansa
gosto dos livros
mas me cansam,
o pior é pensar num ateu
quando quer agradecer pela vida
e não tem com quem conversar.

Quem pode convencer um comunista
ou como mudar a mente de um liberal
ou será meu-deus-do-céu
que o mundo vai ser diferente...

Esperamos
enquanto isso
vamos caminhando.

Goiás, 15 de fevereiro de 2013.