sexta-feira, 18 de julho de 2008

Poemas do bar

1.

Não vou escrever um poema
para dizer que não estou bravo.
Não vou escrever um poema
para dizer que não quis ofender.
Não vou perguntar
se sua mágoa é duradoura.
Não vou falar
sobre o cheiro nojento de cigarro
no meu cabelo e na barba
e na blusa que joguei ali no chão.
É só que às vezes
a vida é mais simples
ou eu queria que fosse.
Não vou dizer agora à noite
que toda discussão me aborrece.
É só que às vezes
eu prefiro um conversa
a uma discussão dolorosa.
Não vou me explicar
para dizer que não é pouco caso.
Não vou fazer um poema
para outras pessoas lerem
sem entender nada
nem que além das palavras
e dos poetas num bar fofinho e fedorento
(mas não insalubre, meu Deus!)
existe a vida e o segredo
da amizade verdadeira.

2.

Não sou um poeta beat
não fumo não bebo
e não gosto da fumaça do cigarro.
Não sou Walt Whitman
Não sou William Blake
Não sou Ginsberg
Não sou Piva
Sou um cristão com asterisco
Mas não sou Tolstoi
Nem Thoreau
Nem vivo nos bosques
Nem vivo na cidade.
Não acho que escrevo bem
Aí vão me dizer que não é bem assim
Mas se eu acho, então é. Pra mim.
Vai ver não sou nem beat nem poeta
Porque essas coisas não me importam tanto
Porque às vezes não quero discutir.
Ainda assim fico aqui
no meio da noite
escrevendo poesia
ao invés de dormir.

3.

É, Jef, sou cristão com asterisco
e nota de rodapé.
E você, Jef, é marxista ortodoxo
com nota de rodapé?
É trotskista-leninista?
Ou o quê?
Acho mesmo cara
que vou tirar esse asterisco,
depois da conversa de hoje
fico pensando
se eu vou ser alguma coisa
preciso segurar a bronca.

4.

É que esquecemos muitas vezes,
somos pessoas.
Daí eu queria jogar uma pedra
na luz forte de uma casa aqui perto
(daquelas luzes que acendem
quando a gente passa na calçada)
e eu não sabia, nem perguntei
é casa de uma senhora viúva
e ela deve ter medo.
Eu queria condená-la
pela luz e pelo medo
mas ninguém pode dizer que o mundo hoje não dá medo.
Uma mulher me mandou um email
nem sei que mulher é essa
falando que os sem-terra são criminosos
terroristas e esse papo todo.
Aí eu fiquei com raiva
e quase xinguei (por email)
Mas então pensei um pouco
e não fiz nada.
É que esquecemos quase sempre,
somos pessoas.
Aí eu queria escutar a história
e queria que ela escutasse
e naqueles pensamentos loucos
desejei que todo mundo escutasse
a história que nos faz humanos
a história da viúva, dos sem-terra
da mulher que não conheço.
Mas um monte de coisas ainda continua errado.
E as portas estão fechadas
até que a gente esqueça de vez
ou talvez se lembre,
somos pessoas.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

E em resposta...

Para Cássio

Tomara mesmo, Cássio,
você não vire um católico chato e rançoso.
Kerouac. Não, não.

Fico só pensando
como somos, um pro outro,
um desafio.

Um ateu tentando ser bom
e um cristão tentando ser bom.
Amigos e briguentos.
Um com o outro,
conversam, discutem,
poemas e rock'n'roll.
Motos, graxa, as mulheres,
as perguntas da vida.

Um ateu e um cristão,
tentando um convencer o outro,
não é dogma, nem é só fé,
é amizade
de quem quer para outro
um caminho bom.

Um poema de um amigo

Para Gera

Brecht disse melhor que eu,
Mas preciso dizer:
Não vou mais discutir se sou mais
Alberto Caeiro ou Álvaro de Campos – sou os dois!
Nem se o futuro vai me fazer um católico que nem Kerouac,
Nem se o passado me fez um católico que nem o Cássio – não sou nenhum deles!

George Harrison disse melhor que eu:
O chão está sujo, precisa ser varrido. Vou lá varrer.
Talvez seja o que minha tia, antiga hippie, chama de sabedoria.
E o que meus colegas, atuais hippies, chamam de fascismo.
Só sei que ela escuta George faz tempo...

E assim vamos, Gera, seguindo.
Dando nossas aulas, fazendo nosso rock,
Viajando dia desses com as motos.

Vou vendo você praticar teu justo, honesto e belo cristianismo,
Preocupado com o outro e com o mundo.
E vou praticando meu ateísmo, preocupado com o outro e com o mundo,
Tentando ser bom, honesto e fazê-lo belo.

Nós dois acreditamos na utopia
(E você sabe melhor dizer como).
Nós dois fazemos poesia.

A melhor certeza que tenho, Gera,
É que, se um dia tiver que ser cristão,
Serei como você,
Com a dignidade que têm teus olhos,
Quando você fala com alguém.

Cassio Correa

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Desabrochar

Admiradas pela chuva
as flores miram o céu,
os cães correm pelos campos,
ladram pelas ruas numa alegre sinfonia,
pássaros voam pelos ares
em seus bandos sem limite,
as folhas caem moribundas
para que tenhamos em que pisar,
as gentes se alegram
e mesmo o velho taciturno
deixa entrever seus dentes
num leve sorriso.
Passeio pelo mundo e do alto
vejo-o como um grão de mostarda,
as pessoas como avelãs.
Em meu delírio, depois da chuva
tudo se converte
num imenso e belo desabrochar.

(01.08.2006)

Céus afegãos

Um cachorro temerário
voa pelos céus afegãos
colorindo os céus
com esperança.

Um dragão chinês
assustador, de papel,
sussurra
rosas sem espinhos.

Outra vez um corredor
branco
de passos diversos
me aguarda.

Outro ano sempre vem,
outras dores
nos fogos de artifício
inocentes.

Se o mundo
fosse preto e branco
talvez não gostássemos
da cauda do pavão.

A história é feita
de repetições
e migalhas,
cães perdidos
que voam
esperançosos
pelos céus
afegãos.

29-12-2007

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Papel

Que bonitos são hoje
as desgraças de ontem no papel.
Com a tranquilidade de uma faca
cortando o ventre de um menino
e girando suave nas vísceras,
a tinta despeja a forma
indignada e lírica
da boa literatura.

Prêmios
sem consolação
ao escritor.

A frieza de ontem
crua, seca,
civilizada,
hoje é raiva
de impossibilidades.

A crueldade de hoje
será indignação
amanhã.
E boa literatura
e prêmios
no papel.

No papel
a vida sem vida
bonita na tristeza,
na forma e circunstância
de seu tempo.

Nos prêmios,
nos artistas laureados
os gritos dos meninos,
as mulheres estupradas pela história,
a gente comum
que sangra destroçada
nos dias de hoje,
não se escutam.
Mas estão lá
ontem, na vida,
hoje...

Silêncio,
a humanidade
é de papel.

21 de junho de 2008