segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pulsa


Bem aventurados os que choram, porque serão consolados.
Bem aventurados os mansos, porque herdarão a terra.
Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.
Mateus 5, 4-6 

Até quando escreverei poemas sobre morte
todos os dias só fim sem começo
angústia e amargura e injustiça
sobre esperança e renascimento
neste mundo resta pouco a dizer
estou cego e não escuto
falta-me a forte compreensão
queria como os loucos
virar o mundo do avesso
recriá-lo ao prazer da justiça
serenidade e amor e paz
então triste dou o que me resta
como sombra e sofreguidão
essas palavras pequenas
esse grito abafado
pulsante como as vidas
apagadas dias atrás.

Cidade de Goiás, 30 de maio de 2011.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Como é fácil


Como é fácil ser ambientalista
na cidade grande:
reciclo o lixo, sacola retornável
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser comunista
na universidade:
estudo Marx, escrevo um livro
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser ruralista
no sertão do Brasil:
roubo a terra, corto o mato,
mato alguns
e me sinto muito bem.

Como é fácil ser grande empresário
na cidade ou no sertão:
isenção fiscal, BNDES,
exploro milhares
e me sinto muito bem.

Como é fácil criticar de longe
o mundo todo:
cuspo umas palavras,
um gosto amargo na boca,
nenhuma diferença,
mas não me sinto muito bem.

Cidade de Goiás, 27 de maio de 2011.

Dinho



Hoje caiu Dinho
mais um, na frente da família
caiu como as árvores
senhoras antigas da floresta.

Vão sendo derrubados
dia após outro
os homens e as árvores
no coração do Brasil
onde a civilização
é o brilho da bala
e o vermelho do sangue
seco no chão.

Na crônica dessa vida
os nomes dos assassinos
foram ditos antes
e todo mundo sabe
na cidade pequena
quem vai morrer
e quem vai matar.

O barro seco do chão,
vermelho cor de sangue
voa com o vento,
já não tem o mato
pra segurar a terra,
leva pra bem longe
a lágrima de hoje.

Anistia aos matadores.
Anistia aos desmatadores.
Mas uma lei basta
eles são as mesmas pessoas.

Cidade de Goiás, 27 de maio de 2011.


quinta-feira, 26 de maio de 2011

Zé Castanha e Maria do Espírito Santo


eles estavam no caminho de casa
na moto velha de guerra
talvez conversando sobre banalidades
dessas que a gente fala todo dia
o que fazer pra comer
o preço do leite
o filho doente
o futuro.

Então quase ninguém ouviu
vindos do escuro, escondidos,
os ruídos repetidos sem cessar
desde o descobrimento
da Nossa América.

A vida deve sempre
dar lugar ao progresso.
Não é o bagre bigodudo
presente só no afluente do afluente do grande rio,
não é só a castanheira, o açaizeiro,
é o homem, a mulher,
o casal que hoje não volta pra casa.

Vai ver prendem uns pistoleiros
depois de dois anos regime semi-aberto,
de mil dos poderosos prendem um,
aguarda os mil recursos em liberdade.

Antes fosse a lei da selva!

Agora quem vai tirar
da cabeça das pessoas
esse progresso-trator infinito,
vai arrastando tudo
mata-mata-mata
preto, branco, índio, mestiço
mata floresta
mata cerrado
mata água
mata terra
mata ar?

Zé Castanha não colhe mais,
o boi do desenvolvimento
quer pastar no seu quintal.
A Maria foi mesmo pro Espírito Santo,
deixou o caminho aberto
pra moto-serra zunir
e fazer do Brasil potência.

O futuro deles não veio,
o nosso está aí por fazer.

Cidade de Goiás, 26 de maio de 2011.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

O trabalho do trabalhador


No primeiro de maio
sempre esquecem
e sempre irrita
dia do trabalho!

Esquecem?

Trabalhe, vagabundo
não gosta de onde está
vai procurar outra coisa.
Nos dias de hoje
não há mais espaço
pra gente preguiçosa
serviço fácil.
Não quer essa vaga,
tem gente lá esperando
pega pela metade.

Fazem de propósito!

Celebram o trabalho
martelam como as máquinas
e a gente besta acredita.
A gente acredita
porque tem que acreditar
no mundo globalizado
na vida moderna
no escuro no medo na solidão.

Dia do trabalho!

Todos os dias
são de preocupação
pânico e repetição:
trabalho.

Podiam deixar um dia
mas não!
Um dia...
Memória fraca
foi um massacre em Chicago
e quantos massacres depois
um dia só pra lembrar
no descanso e na luta
o dia é do trabalhador!

Cidade de Goiás, 14 de maio de 2011.

O dia das mães


No dias das mães
a minha não apareceu
como costumava fazer
nos sonhos frequentes
depois que partiu.

O sonho repetia a vida
a saudade não dita
o amor que não mostrei.

O sentido do abandono
e nenhuma explicação
comparecem todos os anos
nos maios das compras desenfreadas.

O abraço vazio
a solidão desencontrada
o costume da ausência
ali em frente são dez anos
e no fundo eu ainda
não me acostumei.

Cidade de Goiás, 14 de maio de 2011.

domingo, 8 de maio de 2011

Nunca mais


Escrevi 53 poemas reclamando
das festas de ano novo,
falei mal do Natal durante anos,
xinguei a Páscoa e seus ovos e coelhos
mas poupei Nossa Senhora de Aparecida
porque não sou católico.

Celebrei aniversários
e outros deixei passar.
Escrevi cartas, inventei memórias
li e-mails antigos e senti saudade
mas é assim, não quis voltar.

Recebi poemas de amigos,
escrevi poemas para amigos,
viajei por aí e voltei
e de vez em quando
sinto uma vontade
de sair pelo mundo
conhecendo gente nova
e revendo os velhos amigos
um por um
em São Paulo
em Blumenau
em Porto Alegre
e Puerto Quijarro
Lima, La Paz, Santa Cruz de la Sierra
donde estuve con los bolivianos por un mes!

Vamos, vamos, vida!
Buenos Aires, Montevideo
a pequena Las Grutas
e a grande Santiago
do cerro Santa Luzia!

Às vezes, quase sempre
me canso das pessoas
e prefiro a natureza.

De vez em quando,
como um vulto
passando atrás de nós
enquanto andamos pelas ruas
cheias das grande metrópoles,
lembro dos amigos distantes
e sinto saudades
e me dá ganas de voltar
percorrendo os caminhos conhecidos
relembrando as histórias
rindo com nostalgia
e falando do tempo passado
que não volta
nunca mais.

Cidade de Goiás, 5 de maio de 2011.