domingo, 30 de junho de 2013

Isso é tudo



Minha mãe não viu
quando virei historiador
nem a viagem pela América
de mochila nas costas
em caronas sem rumo.

Foi ali que eu virei gente
ela não viu.

Minha mãe teria medo
e se preocuparia
e diria que não
e sofreria as angústias de mãe
nessas horas quando o filho
sai pro mundo sem rumo
pra fazer o que se deve.

Meu pai com orgulho
chamava de périplo.
Não me consta que tenha tido medo.

Trouxe-lhe uma máscara inca
pesou na mochila-casa desde a Bolívia.

Minha mãe não viu
quando me tornei professor
quando me tornei mestre
e escrevi na tese
uma linhazinha para ela.

Não, ela não leu.

Minha mãe não me viu
virar motociclista
não conheceu minha mulher
largar tudo e vir pra Goiás
tomar banho de rio
o casamento
planejado em uma semana.

Não viu.

Meu pai, ele viu.

Veio a Goiás visitar
passeamos juntos
comemos a comida boa
feita em casa
vegetariana.
Não sentiu falta da carne aqui.
Mas quis chuveiro elétrico
e me fez comprar.
Deu de presente uma chaleira
nós nunca usamos.

Salvador 2009,
de carona com Cássio
depois da Chapada
chegamos em Pituaçu
na casa-castelo
só uma noite
o velho aparelho de som,
ele disse, ficaria comigo.
Foi bonito, Cássio contou,
deve lembrar melhor da imagem
eu lembro das palavras.
Era um querer sem vontade
a herança...

Em 2012, Salvador – Goiás
mandou-me o som
como se dissesse
estou indo, estou indo,
aí está, cuide bem, divirta-se
que eu já vou.
E eu, não usei direito
como não querendo
pensando no sentido
no adeus.

E foi assim mesmo
em cada passo, cada coisa
com o cuidado meticuloso
de etiquetar as caixas
disse adeus pra cada um
e apagou-se a luz
de uma só vez.

De manhã a ligação falhou
mas ouvi bem a sua voz
e não havia nada errado.

Fizemos todos o melhor possível
e não há culpa nem rancor
é só a lágrima que escorre
em cada foto
em palavras de bilhetinhos
na ligação que não chega mais
no “sim” ao telefone
no orgulho expressado
no respeito à diferença
na serenidade do amor.

Meu pai não me viu comprar um fusca.
Será que ele diria para comprar um mais moderno?
Sentiria orgulho?
Pensaria bobagens?

Meu pai não vai ver meus filhos
não vai ver quando eu for doutor
não vai ver a construção da casa
o futuro que eu nem sei.

Não posso mais pedir seu conselhos, pai,
ouvir a sua voz calma de experiência
mesmo quando dizia não.

Você incomodava às vezes, pai,
e eu também te irritava, eu sei...

Há tanto de incompleto na vida
e é só o tempo passando.

Meu pai não viu a explosão popular
essa mesma de agora sem partido
de qualquer um na rua,
saberia dela pelo Facebook
emitiria opiniões, talvez,
não posso brigar com ele
defendendo os arruaceiros
que ele não viu na TV.

Foi bom isso
para todos é claro.

Aqui em mim
despertou-me do torpor
como se me fizesse ouvir
um conselho simples
deixado num bilhetinho
que guardo com carinho:

“Seja feliz ao teu modo
e viva a vida da melhor
forma possível”

E isso é tudo
o que tenho agora.

Goiás, 30 de junho de 2013.

2 comentários:

Francine Ribeiro disse...

Gera,
que texto lindo!
Saudades de você!
Um abraço com carinho,

Fran

Geraldo Witeze Junior disse...

Oi Fran! Saudades também! Quando vem a Goiás em visita? Beijo!