Minha mãe não viu
quando virei
historiador
nem a viagem pela
América
de mochila nas costas
em caronas sem rumo.
Foi ali que eu virei
gente
ela não viu.
Minha mãe teria medo
e se preocuparia
e diria que não
e sofreria as angústias
de mãe
nessas horas quando o
filho
sai pro mundo sem rumo
pra fazer o que se
deve.
Meu pai com orgulho
chamava de périplo.
Não me consta que
tenha tido medo.
Trouxe-lhe uma máscara
inca
pesou na mochila-casa
desde a Bolívia.
Minha mãe não viu
quando me tornei
professor
quando me tornei mestre
e escrevi na tese
uma linhazinha para
ela.
Não, ela não leu.
Minha mãe não me viu
virar motociclista
não conheceu minha
mulher
largar tudo e vir pra
Goiás
tomar banho de rio
o casamento
planejado em uma
semana.
Não viu.
Meu pai, ele viu.
Veio a Goiás visitar
passeamos juntos
comemos a comida boa
feita em casa
vegetariana.
Não sentiu falta da
carne aqui.
Mas quis chuveiro
elétrico
e me fez comprar.
Deu de presente uma
chaleira
nós nunca usamos.
Salvador 2009,
de carona com Cássio
depois da Chapada
chegamos em Pituaçu
na casa-castelo
só uma noite
o velho aparelho de som,
ele disse, ficaria
comigo.
Foi bonito, Cássio
contou,
deve lembrar melhor da
imagem
eu lembro das palavras.
Era um querer sem
vontade
a herança...
Em 2012, Salvador –
Goiás
mandou-me o som
como se dissesse
estou indo, estou indo,
aí está, cuide bem,
divirta-se
que eu já vou.
E eu, não usei direito
como não querendo
pensando no sentido
no adeus.
E foi assim mesmo
em cada passo, cada
coisa
com o cuidado
meticuloso
de etiquetar as caixas
disse adeus pra cada um
e apagou-se a luz
de uma só vez.
De manhã a ligação
falhou
mas ouvi bem a sua voz
e não havia nada
errado.
Fizemos todos o melhor
possível
e não há culpa nem
rancor
é só a lágrima que
escorre
em cada foto
em palavras de
bilhetinhos
na ligação que não
chega mais
no “sim” ao
telefone
no orgulho expressado
no respeito à
diferença
na serenidade do amor.
Meu pai não me viu
comprar um fusca.
Será que ele diria
para comprar um mais moderno?
Sentiria orgulho?
Pensaria bobagens?
Meu pai não vai ver
meus filhos
não vai ver quando eu
for doutor
não vai ver a
construção da casa
o futuro que eu nem
sei.
Não posso mais pedir
seu conselhos, pai,
ouvir a sua voz calma
de experiência
mesmo quando dizia não.
Você incomodava às
vezes, pai,
e eu também te
irritava, eu sei...
Há tanto de incompleto
na vida
e é só o tempo
passando.
Meu pai não viu a
explosão popular
essa mesma de agora sem
partido
de qualquer um na rua,
saberia dela pelo
Facebook
emitiria opiniões,
talvez,
não posso brigar com
ele
defendendo os
arruaceiros
que ele não viu na TV.
Foi bom isso
para todos é claro.
Aqui em mim
despertou-me do torpor
como se me fizesse
ouvir
um conselho simples
deixado num bilhetinho
que guardo com carinho:
“Seja feliz ao teu
modo
e viva a vida da melhor
forma possível”
E isso é tudo
o que tenho agora.
Goiás, 30 de junho de
2013.
2 comentários:
Gera,
que texto lindo!
Saudades de você!
Um abraço com carinho,
Fran
Oi Fran! Saudades também! Quando vem a Goiás em visita? Beijo!
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