É claro que enche o saco
quando a gente se lembra
do passado e diz assim
eu já falava, anos atrás.
Mas o problema grave,
isso é verdade!
desde aquela época
do gigante acordou
quando os amarelinhos
dominaram de ver a cena
toda.
O amigo acusava fascistas
e eu lhe dizia exagerado
e rabugento
e ele ralhava e ressentia
da minha palavra analítica.
A menina tinha pegado
o caco de vidro no chão
pra ninguém pisar
no meio daquelas bombas
ele cantou.
Dias e bombas depois
muito tempo no absurdo
pegajoso
felicitamos um ao outro
na tristeza.
Em casa em desespero
acertamos anos atrás
- eu avisei a chatice
insuportável.
Era mesmo a desgraça
do fascismo
como ele dizia
e tão banalizado
como eu criticava.
A Hannah precisava
escrever outro livro
pra julgar o Eichmann
dono da oficina
aqui perto de casa.
Precisava mas não vai
e sobrou tudo pra nós
uma gente meio mole
dormindo de olho aberto.
Sobrou tudo pra nós
agora
agora mesmo.
Vamos reler
a Hannah
e o Primo Levi
e o Maus
e vamos ler os poemas novos
e o velho evangelho
pra ver se a gente
vira umas mesas
e aprende algo sobre amor
e dor e morte e perdão
pra ver se a gente
ressuscita.
6/7/2020